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Oceanos e Rios

Biodiversidade da Amazônia em perigo

Pesquisadora brasileira pretende controlar a invasão do mexilhão dourado com engenharia genética
Bruno Torres
27/09/19

Um pequeno molusco invasor vem tirando o sono de pesquisadores e ambientalistas preocupados com a preservação das espécies aquáticas da Amazônia e de outros ecossistemas da América do Sul. Já ouviu falar no mexilhão dourado? O Limnoperna fortunei é uma espécie não comestível que se reproduz rapidamente durante todo o ano. Apesar de atingir apenas 1 cm de largura, ele é capaz de alterar as características das águas, mexer na cadeia alimentar, homogeneizar o ecossistema, entupir as tubulações de estações de tratamento de água e até mesmo parar turbinas de hidrelétricas, como já acontece em Itaipu, na fronteira entre o Estado do Paraná e o Paraguai, e em Furnas no Estado de Minas Gerais.

O mexilhão dourado foi encontrado pela primeira vez na América do Sul em 1991 quando pesquisadores argentinos detectaram a presença dessa espécie nas águas salobras do porto de Buenos Aires. A suspeita é que ele tenha sido trazido nas águas de lastros de navios vindos da China, região da qual ele é nativo.

Em poucos anos, o mexilhão se espalhou pela bacia do rio da Prata chegando à bacia do rio Paraná e recentemente até o Pantanal, ou seja, ele está se aproximando da Amazônia. A culpa dessa invasão não é só da rápida reprodução desse molusco – em um ano eles podem passar de 5/m2 para 150 mil/m2 –, a ação humana também ajudou. Foram os barcos os maiores responsáveis por levar esse mexilhão para outros rios. Isso ocorre em razão da espécie se incrustar nos cascos. Em eventos como festivais de pesca é comum eles ‘pegarem carona’ nas embarcações e passarem de um rio a outro.

Para tentar controlar a disseminação do mexilhão dourado pelas águas brasileiras e impedir a chegada de novos, em 2005 a Marinha brasileira decretou uma normativa que obriga todos os navios a trocarem ainda no oceano a água de lastro. Furnas também lançou em 2005 uma campanha “Não dê carona a esse bicho”.

Mexilhão dourado O mexilhão dourado se reproduz rapidamente e é reponsável por alterar as características das águas onde vive

A orientação aos pescadores e o uso de técnicas físico-químicas, como aumento da temperatura e aplicação do cloro (usadas principalmente pelas hidrelétricas), não têm sido suficientes para conter o aumento das populações de mexilhão dourado. Por isso, um grupo de pesquisadores do Laboratório de Biologia Molecular Ambiental da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) está utilizando alta tecnologia para sequenciar o genoma dessa espécie e encontrar uma estratégia efetiva no controle do mexilhão dourado.

Esse é o projeto de pesquisa da doutoranda Marcela Uliano da Silva. O estudo ganhou mais repercussão após arrecadar parte da verba em uma plataforma de financiamento coletivo. Uliano também foi convidada para se tornar uma integrante da TED Fellows, comunidade que reúne jovens com ideias inovadoras por todo o mundo. Ela apresentou seu projeto na conferência global do TED no Rio de Janeiro em outubro desse ano.

Em entrevista exclusiva ao Portal NAMU, a jovem conta mais sobre a sua pesquisa e sobre como o mexilhão transforma o meio ambiente.

Portal NAMU: Como o mexilhão afeta o ecossistema? Marcela Uliano: Isso está muito relacionado às características biológicas da espécie. O mexilhão dourado desova em várias épocas do ano. Além disso, ele tem o crescimento acelerado. Eles ficam adultos em 30 dias. Esses, por sua vez, também irão se reproduzir. As populações podem chegar a cerca de 250 mil/m2 em densidade pelo fenômeno da incrustação. Eles vivem cerca de 3 anos. Em razão dessas características, acabam se formando grandes “camas” de mexilhões.

Ele também é um molusco filtrador, então, essas grandes populações acabam ocasionando uma mudança na zona fototrófica, o que influencia em vários fatores físico-químicos da água.

Marcela Uliano da Silva Marcela Uliano pretende encontrar uma estratégia de combater o mexilhão sem danificar outras espécies

Esse mexilhão serve como um novo recurso alimentar para peixes, que são espécies de topo de cadeia. Esse impacto positivo que o mexilhão pode ter para os peixes pode causar impactos negativos de acordo com as relações que esse operador de topo de cadeia pode ter. A desregulação da população de peixes pode desregular em cascata todo o ecossistema. Além do fato do mexilhão tomar o nicho de outras espécies nativas.

No entanto, ele pode matar peixes que não conseguem digeri-los. Há estudos ecológicos no Rio da Prata mostrando que os pescadores coletaram peixes em vários pontos do Rio e encontraram mexilhões no trato digestivo de cem por cento desses peixes.

Os danos variam de acordo com as características de cada bacia, das características da água e das comunidades biológicas. É um consenso entre os ecólogos que a presença desse mexilhão diminui a biodiversidade do ecossistema em longo prazo. E ecossistemas mais homogêneos são mais suscetíveis às mudanças ambientais, como por exemplo, o aumento do clima.

Quais seriam os impactos desse mexilhão na Amazônia? Não temos como afirmar exatamente quais serão os impactos. A Amazônia possui águas claras e águas escuras com diferentes características. Estudos mostram que nas águas escuras ele não conseguiria se adaptar, mas as águas claras são parecidas com a da Bacia do Paraná, onde o mexilhão já se mostrou compatível.

É uma ameaça para Amazônia. Nós queremos evitar que ele chegue até lá, porque todo esse impacto de homogeneização do ecossistema pode prejudicar e fragilizar o bioma mais rico de todos. Não temos o controle exato de onde o mexilhão está, mas ainda não há evidências de que ele já chegou aos rios da Amazônia.

Qual é o propósito da sua pesquisa? A educação das comunidades pesqueiras e as estratégias de controle químicas ou manuais não são totalmente efetivas para o controle da espécie. Por isso, nesse momento estamos tentando utilizar uma estratégia que é mais tecnológica e científica de biologia molecular que primeiramente pretende fazer o mapeamento completo do genoma do mexilhão dourado.

Com isso, nós procuramos entender as relações entre os genes e o ambiente da espécie. Por exemplo, a forma com que um ser humano se relaciona com o ambiente tem associação com seu genoma, o mesmo acontece com o mexilhão. Nós queremos ver como ele se regula para conseguir viver em águas com temperaturas tão diversas como as do Rio da Prata e as do Pantanal. Queremos entender como os genes do mexilhão lidam com essas situações de estresse ambiental.

Marcela Uliano da Silva "Nós queremos ver como ele se regula para conseguir viver em águas com temperaturas tão diversas", diz Uliano

Ao ter conhecimento dessas informações, nós podemos escolher os alvos mais suscetíveis. Nós sabemos, por exemplo, que algumas famílias gênicas são responsáveis pela manutenção da vida de uma espécie, então nós podemos usá-las como alvos. Essa é uma estratégia biotecnológica de controle.

A nossa ideia não é criar um mexilhão transgênico, como foi feito com o mosquito da dengue. Nós pretendemos escolher um alvo, colocar um RNA de interferência, alguma bioengenharia que consiga chegar ao núcleo.

Essa partícula pode afetar outras espécies? O mexilhão é filtrador, então ele filtraria essa partícula. Como esse alvo seria específico para o genoma do mexilhão, ele não afetaria algum outro animal filtrador ou alguma outra espécie que acabasse absorvendo essa partícula viral.

Essa estratégia de controle seria principalmente para regiões em que as populações de mexilhão ainda não são muito densas. Se o mexilhão chegar à Amazônia agora, haverá uma população ainda pouco estabelecida com impactos não tão robustos. A ideia é que nós possamos usar essa estratégia de modo concentrado.

Algumas pessoas falam "Vocês querem matar uma espécie". Não é bem assim, ele é uma espécie invasora, nós só queremos resolver o problema nos locais que sofreram com a disseminação dessa espécie.

Como surgiu a ideia de fazer uma campanha de financiamento coletivo para um projeto científico? Eu faço parte do laboratório do professor Mauro Rebelo que é meu orientador. Ele tem uma grande experiência com divulgação científica e tem inclusive o blog no ScienceBlogs. Ele sempre achou que nós devemos comunicar a ciência da forma mais simples possível, porque nem todas as pessoas que usufruem dos resultados da ciência são cientistas. Muitas pessoas não entendem o que nós estamos fazendo e não entendem, por exemplo, os gastos do governo com pesquisas.

Nós percebemos que esse projeto tinha um apelo popular grande, porque há muita gente interessada em preservar a biodiversidade da Amazônia. Por isso, pensamos que muitas pessoas poderiam se interessar em financiar o projeto. Então, resolvemos fazer o crowdfunding e fizemos um vídeo animado para passar as informações com mais clareza. Foi super bem sucedido. O pessoal entendeu, gostou da proposta e acabamos atingindo a meta de R$ 40.000. Essa quantia não é suficiente para fazer o mapeamento do genoma. Nós também temos apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Essa experiência foi bem legal porque o projeto ganhou relevância e acabamos chegando ao TED. Foi muito interessante para o projeto poder viabilizá-lo e informar as pessoas sobre um projeto científico.

Veja o vídeo utilizado para a campanha de crowdfunding:

Foto 1: Marcela Uliano Foto 2 e 3: Rogério da Silva


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