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Coloque mais cultura no seu prato

Devorado pela selva de pedra, o cambuci ressurge nas cachaças, sucos e doces da gastronomia paulista
Da redação
27/09/19

As memórias afetivas da comida, os pratos que representaram os sabores da infância, o fogão das avós ou mesmo os aromas peculiares de cada cozinha não apenas compõem nossa história e nossa cultura. Eles são responsáveis pela perpetuação de um saber profundo. Segundo Câmara Cascudo, "os povos escolhem determinados alimentos e, mais tarde, a ciência vem provar que o povo tinha razão, embora, na hora, estivesse contrariando a ciência". Logo, comer é uma maneira de perpetuar esse saber. É algo bem maior do que apenas suprir as necessidades do corpo. Através da alimentação compartilham-se gostos, conhecimentos, momentos e escolhas que representam historicamente cada região e cada cultura.

O gosto do ácido cambuci, uma fruta típica de São Paulo, é um desses sabores que se perdeu. A árvore, que já dominou o Sudeste do Brasil, hoje está à beira da extinção. Para não permitir que essa espécie típica da Mata Atlântica desapareça, há um movimento gastronômico tentando aproveitar o potencial do cambuci, o qual pode ser utilizado na produção de sucos, cachaças, geleias, licores, vinhos, iogurte e musse.

Garrafas de licor e cachaça de cambuci

“Tudo que é patrimônio cultural e ambiental me interessa, me fala de perto ao coração e a mente” afirma Maria Helena Caldas, historiadora, pesquisadora e culinarista do Slow Food Brasil. No 5º Festival de Gastronomia Orgânica do Parque da Água Branca, a pesquisadora ministrou uma oficina de receitas com cambuci e discutiu a importância de conhecer historicamente os hábitos alimentares que formam a cultura da gastronomia brasileira. Em entrevista exclusiva ao Portal NAMU, Caldas apresenta a relação daquilo que vem ao prato com a produção, a história e o desenvolvimento sustentável.

Portal NAMU: Por que o cambuci desapareceu e qual a relação com a forma de ocupação desenvolvida em São Paulo?
Maria Helena Caldas: O cambuci já foi símbolo de São Paulo. Pensando nesse fruto, podemos ver a necessidade de uma outra forma de ocupar a cidade. O cambuci sumiu assim como sumiram outras espécies brasileiras pela forma de ocupação que foi feita em no nosso território. A ocupação é desordenada e a politica vigente acontece com base no "mais forte", por ter muito dinheiro, ou por conta de governos sem estratégia. Eu promovo a agroecologia, não por estar pregando a volta a “roça”, a volta ao passado, pois isso seria um contrassenso. Mas temos que olhar para o hoje e para o futuro pensando no meio ambiente. O homem está no centro do meio ambiente, nós somos o meio ambiente e somos parte desse processo ambiental e cultural, porque a cultura não está separada do meio ambiente.

Como começou seu trabalho de aliar história e gastronomia dentro da questão do patrimônio cultural?
Desde que eu me tornei historiadora percebi que tinha alguns aspectos da cultura brasileira que ficavam muito no âmbito acadêmico das grandes universidades. E a historia na verdade é viva, a história somos nós e fazemos historia todos os dias. Me apaixonei pela questão do patrimônio cultural e percebi que a comida é muito próxima do cotidiano de todo mundo. As pessoas em geral não conhecem os frutos com os quais nos alimentamos ou mesmo se aquele sabor sempre esteve presente em nosso território.

Qual a importância de lutar na área ambiental através da alimentação?
Eu sou uma militante da área ambiental como historiadora porque acredito que através da cultura do alimento que se pode mudar o país. O Brasil hoje é um grande produtor de alimentos. Podemos sim ser o celeiro do mundo, mas de que tipo de alimento? Do transgênico? Da grande indústria de alimentação? Da monocultura? Eu acho que isso tem que mudar. Eu faço parte de uma militância que começou no Slow Food. Trabalho com a questão da historia da alimentação e pela preservação das espécies nativas brasileiras.

Visão da igreja de Santa Rita de Cássia, em Parati, Rio de Janeiro.
A Mata Atlântica é uma dos biomas mais devastados pela ocupação humana

Como as escolhas alimentares influenciam na qualidade de vida e no desenvolvimento social da população?
É o homem quem faz o meio ambiente sofrer. Por isso, é preciso falar da comida trazendo como ferramenta a história e contextualizando com a questão das nossas escolhas. Precisamos entender o porquê do alimento sem agrotóxico, o porquê do orgânico e da agroecologia. Trata-se de uma forma de plantar sem agredir o meio ambiente, de ser sustentável, não apenas para quem planta, mas também para quem vai consumir.

O que vai contar para que um produto seja mais bem aceito do que o outro é a sua história, o por quê ele é importante e em que medida ele beneficia as pessoas.

O que adianta termos uma indústria alimentícia de grande porte no mundo que é feita na base do fertilizante químico. Todo mundo está doente. Pagamos barato por essa alimentação e depois gastamos com remédio. Eu prego uma comida limpa, saborosa, fresca, sem pressa e justa. Isso significa também que será produzida sem que as relações da cadeia produtiva sejam relações de exploração. Isso representa uma grande mudança. É um sonhar alto. Mas temos de sonhar alto porque o mundo dos conformistas e daqueles que são donos do poder não deu certo. Ou porque as pessoas são muito conformadas ou porque o poder econômico impõem uma forma de se viver.

Qual a nossa responsabilidade?
Eu penso que todos nós somos co-produtores. Na medida em que consumimos do pequeno produtor [de orgânicos] também somos responsáveis. Quando escolhemos produtos frescos, estamos evitando o fomento da industrialização e o processamento de produtos que nem sabemos de onde vêm. Estamos consumindo esse tipo de alimento desde a o fim da Segunda Guerra Mundial, são 60 anos consumindo comida com pesticidas e com química. Os dados que temos hoje, segundo a OMS, mostram que não é mais do coração que se morre e sim de depressão. A população mundial está deprimida. Há um desequilíbrio químico neurológico do organismo, não é somente por questões emocionais.

Que tipo de informação motiva as pessoas a mudarem de atitude?
Quando pensamos que ajudaremos o pequeno produtor [de orgânicos] e a economia local também estamos fazendo um trabalho lindo de resgate das histórias locais. Eu acredito que cada vez mais o que vai contar para que um produto seja mais bem aceito do que o outro é a sua história, o porquê ele é importante, em que medida ele beneficia as pessoas. Temos que pensar o mundo hoje em termos de economia solidária, para que seja bom para todos e não só para alguns.

Foto 2: Rota do Cambuci
Foto 3: Flickr: Otávio Nogueira/ Deltafrut/ CC BY 2.0


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