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A sustentável leveza do Xingu

As práticas indígenas de arquitetura natural e coleta de sementes são exemplos de sustentabilidade
Bruno Torres
20/01/15

Seja na construção das ocas tradicionais ou na coleta de sementes para reflorestamento de áreas desmatadas, os índios do Xingu esbanjam exemplos de sustentabilidade. Práticas que, além de não destruir o meio ambiente, valorizam recursos naturais. “Os povos indígenas são os melhores professores de desenvolvimento sustentável”, afirma o arquiteto e indigenista da Fundação Nacional do Índio (Funai), Renato Sanches. 

Ele se refere ao Parque Indígena do Xingu (MT), por onde caminha enquanto fala ao Portal NAMU. O indigenista aponta para as imensas cabanas da aldeia ikpeng construídas, segundo ele, de acordo com o conceito de arquitetura sustentável.


Índios do Xingu usam técnicas que valorizam recursos naturais e não prejudicam o meio ambiente

“O material usado nas ocas tradicionais é todo reciclável”, diz. Um exemplo citado por Sanches é a palha usada na cobertura, que existe em abundância na região. “Os índios são denominados como civilizações da palha, utilizam em tudo o que fazem”.

No Xingu, diferentemente de outras regiões, os nativos ainda encontram em abundância na natureza os recursos de que precisam para viver. Eles agradecem, esbanjando exemplos de uso sustentável do meio ambiente.

A ideia dos irmãos Villas-Bôas, ao criar a reserva federal indígena, durante o governo do presidente Jânio Quadros em 1961, era exatamente essa: reconhecer e demarcar um amplo território que permitisse aos índios manter seu domínio sobre as terras em que tradicionalmente viviam.

Atualmente, vivem no parque aproximadamente 5.500 índios de 14 etnias diferentes, em uma área de 2,6 milhões de hectares no estado do Mato Grosso.

Arquitetura da terra

Renato Sanches, da Funai, explica como é a organização das aldeias. “São grandes malocas comunais, que abrigam vários índios, cerca de 30 por oca”, diz, admirando as engenhosas e imponentes construções, dispostas de forma circular.

“São construídas em mutirão, geralmente no período de um mês”, detalha. Ele explica ainda que os índios permanecem na aldeia durante um período de oito a dez anos, depois procuram outra área para construção de uma nova aldeia. “Esse deslocamento de tempos em tempos permite que o ambiente se recupere”, diz. “Há toda uma preocupação com o esgotamento de recursos”, completa.

Fora dos limites do parque, entretanto, a degradação avança, provocada pelo crescimento da atividade agrícola. Para piorar o cenário, outro recurso natural em abundância transformou a região em campo de batalhas: a água. O potencial energético do Rio Xingu, de 22 mil MW, é um dos maiores do país.

De um lado da disputa, a construção de quase uma dezena de hidrelétricas, justificada pela demanda crescente por energia. Entre as obras, a polêmica e maior de todas, Belo Monte. Na outra margem, comunidades indígenas tradicionais e organizações ambientalistas da região alertam para os impactos ambientais.

Sementes sustentáveis

Apesar das pressões no sentido oposto, a sustentabilidade nas aldeias do Xingu resiste. E os exemplos dos povos do parque indígena no Mato Grosso não se restringem às construções de aldeias e cabanas.

O uso de sementes nativas na restauração da bacia do Rio Xingu acabou por criar uma bem-sucedida rede de coleta. Unindo desenvolvimento comunitário, econômico e preservação ambiental, o projeto que começou pequeno em 2007, e atualmente envolve mais de 300 coletores de 23 municípios e 9 aldeias.

O jovem Oromé Ikpeng, 18 anos, é um dos indígenas que trabalham na coleta de sementes, geralmente encomendadas por fazendeiros do entorno do parque indígena. “No começo, a coleta mensal em nossa aldeia variava em torno de 100 kg de sementes, o que gerava uma renda de R$ 5 mil”, conta. Em 2009, de acordo com Oromé, quantidade já estava em torno de 300 kg.

“Começamos a experimentar novas técnicas de coleta e armazenamento”, explica. Na aldeia Ikpeng, o projeto começou com 15 coletores, hoje o número de trabalhadores passa de 60.

O indígena comemora os resultados da ação em áreas de reflorestamento. “Uma fazenda em São José do Xingu recuperou 2 hectares, outra em Sinop, principal comprador, reflorestou 4 hectares”, diz.

Rede de sementes

O comércio de sementes do Xingu inclui mais de 200 espécies nativas da região, entre árvores, arbustos e cipós nativos do cerrado e da floresta. Entre elas, semente de caju e mogno. Segundo José Nicola Martorano, biólogo do Instituto Socioambiental (ISA) e colaborador da Rede de Sementes do Xingu, algumas das espécies comercializadas correm risco de extinção.

“Pelo menos três espécies que comercializamos estão na lista do Ibama: a aroeira verdadeira, aroeira negra ou aroeira do sertão (Myracrodruon urundeuva), o mogno (Swietenia macrophylla) e a castanheira (Bertholletia excelsa), também conhecida como castanha-do-pará e castanha do Brasil”, declara.

Além do objetivo central, que é recuperar matas de beira de rios e nascentes degradadas pela agropecuária, principal atividade econômica da região, a Rede de Sementes do Xingu também pretende difundir práticas sustentáveis que respeitem o ambiente e a diversidade sociocultural das populações da região.

A iniciativa começou a partir dos primeiros resultados das experiências de restauração florestal da Campanha Y Ikatu Xingu (Salve a água boa do Xingu, na língua kamaiurá), que teve início em 2004 com a missão de recuperar e proteger as nascentes e cabeceiras do Rio Xingu.

As ações da campanha contemplam três áreas específicas, restauração florestal, educação agroflorestal, gestão e ordenamento territorial.

Estima-se que já foram desmatados quase seis milhões de hectares de vegetação nativa na Bacia do Rio Xingu em Mato Grosso, o que significa aproximadamente 33% da cobertura vegetal original já suprimida no estado, segundo informações do Instituto Socioambiental, que apoia a iniciativa.

Fotos: Carlos Minuano


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