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Meditação

Você tem medo de quê?

Para a meditação vipassana, que encara o sofrimento como um traço da realidade, os medos vêm da mente
Bruno Torres
27/09/19

Medo de assaltos, do aumento do custo de vida, de perder o emprego, do envolvimento dos filhos com drogas. Esses são alguns dos resultados colhidos em pesquisa do Datafolha sobre os temores dos paulistanos. Também são citados o medo de perder as pessoas amadas, de perder os filhos, da falta de dinheiro, de morrer, da solidão, de envelhecer, de ser traído pelo companheiro e até o medo de ficar sem internet ou ter a conta do Facebook invadida.

Medos como esses e outros, que variam conforme as circunstâncias e o momento histórico, fazem parte daquilo que o budismo denomina “dukkha”, um termo amplo, que compreende as variadas formas de insatisfação e sofrimento – “dukkha é aquilo que é difícil suportar”, explicam os monges do budismo Theravada.

Sofrimento e conhecimento

Diferentemente do pensamento habitual, dukkha não representa para o praticante budista uma tragédia, mas um traço da própria realidade, ao lado da impermanência e do “não-eu”. Além disso, o budismo considera qualquer dukkha que tenhamos - pequeno, médio ou grande, contínuo ou intermitente - como criado pela própria mente, e é nela que vai buscar a solução do sofrimento. Considera-se, assim, que somos os próprios criadores de tudo o que nos acontece e que tudo o que fizemos, fazemos ou faremos é determinado pelos nossos momentos mentais.

Nesse sentido, em vez de se preocupar apenas com as adversidades cotidianas como se elas fossem a realidade última em si, a prática do vipassana busca o esclarecimento da raiz de todo o sofrimento na própria mente.

De maneira resumida, a meditação vipassana – literalmente “ver com clareza” – parte de uma tranquilização inicial da mente, por meio da observação da respiração, para estabelecer uma atenção chamada “plena” aos fenômenos corporais e mentais, esclarecendo o praticante quanto à real natureza da respiração, do corpo, das sensações, dos pensamentos etc.

“Experimentamos uma série de medos difusos ou circunstanciais, como o medo da violência, o medo de perder o emprego, o medo de perder um afeto ou parente, o medo da doença e da morte, e nossa atitude habitual é geralmente tentar mudar as circunstâncias ou nos blindar para nos proteger desse medo", explica Arthur Shaker, fundador e instrutor da Casa de Dharma, centro de meditação budista Theravada sediado em São Paulo em que se pratica vipassana. O problema, adverte, é que “essas são soluções provisórias, pois a raiz de todos os temores está na mente, na incompreensão da realidade como ela é”.

A raiz de todos os temores está na mente, na incompreensão da realidade como ela é.

O caminho do vipassana

Por meio do vipassana, os praticantes podem perceber os três traços (“selos”) que caracterizam todos os fenômenos: a impermanência (tudo muda, momento após momento, initerruptamente); o “não-eu” (nenhum fenômeno tem existência própria, ou uma identidade essencial, mas é resultado de ilimitada rede de condições); dukkha (todos os fenômenos são experimentados como insatisfatórios, na medida em que as experiências ruins são rejeitadas e as experiências boas têm um fim).

Com base nessa maneira de “ver claramente”, as pessoas podem superar a perspectiva habitual de se relacionar com o mundo - culpando-o pelo sofrimento, perdas, ansiedade, opressões, pressões e frustrações – e passar a enxergar a realidade como criação de sua mente. Nesse momento, explica Arthur Shaker, acontece uma mudança de paradigma mental que reorganiza a maneira como se vê o mundo, incluindo nisso seus medos e demais sofrimentos. “O praticante deixa, aos poucos, de considerar permanente aquilo que é impermanente, de considerar prazeroso aquilo que é insatisfatório”, e essa mudança é que conduz à liberação do sofrimento, esclarece Shaker.

A raiz de todo tipo de sofrimento vem do fato de que “a mente sempre está tentando resolver as inquietações, mas nem sempre com uma visão clara da impermanência”, acredita Shaker. Assim, o começo da prática do vipassana se dá pela observação da respiração que, devido à neurofiosiologia entre respiração, corpo e mente, conduz a uma tranquilidade mental. Em seguida, dedica-se à percepção da impermanência, por meio da observação concreta de fenômenos corporais, como as sensações, e da própria consciência.

Em vipassana, o meditador começa a ver a realidade tal como é, com todos os fenômenos marcados pela impermanência pelo “não-eu” e pela insatisfatoriedade. Vendo profundamente as aparências – uma das qualidades fortes do vipassana é evidenciá-la por meio da contemplação da respiração e das sensações –, o praticante cultiva o desapego pelas formas, o que leva à consequente redução dos variados sofrimentos – entre eles, o medo.

O esclarecimento do sofrimento

À medida que progride, o meditador percebe a realidade de seus pequenos medos como ela é e pode estabelecer relações com aquilo que Shaker chama “o grande medo” – a origem das várias formas do sofrimento humano –, aos poucos deixando de se restringir às maneiras parciais de lidar com os problemas.

“A partir do momento em que o vipassana conduz o praticante a começar ver mais profundamente, ele começa a ganhar uma consciência de que tudo bem, você tem que resolver as pequenas inseguranças para poder existir, mas elas sempre vão ser soluções provisórias, pois a questão maior é essa natureza insubstancial da realizada”, completa Arthur Shaker.

A meditação vipassana oferece várias situações de prática que produzem diferentes resultados para o meditador. Um iniciante logo experimentará uma tranquilização da atividade mental e uma visão lúcida sobre a impermanência. Um meditador experiente penetrará mais profundamente nas três marcas da realidade. Em qualquer estágio da prática, vipassana conduz ao esclarecimento dos objetos, pensamentos, memórias e circunstâncias que despertam medo.

Iluminados dessa forma, entendidos como algo sempre em modificação, sem qualquer essência, os medos tendem a perder força e novas alternativas para se lidar com ele surgem intuitivamente para o praticante. Explorando esse caminho, o vipassana torna-se, assim, muito mais do que um método de alcançar tranquilidade e bem-estar, mas um caminho que pode levar à extinção de toda forma de aflição mental.

Miedo

“Medo de olhar no fundo Medo de dobrar a esquina Medo de ficar no escuro De passar em branco, de cruzar a linha Medo se achar sozinho De perder a rédea, a pose e o prumo Medo de pedir arrego, medo de vagar sem rumo” (Música de Pedro Guerra, Lenine e Robney Assis)

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