Considerada a base da prática zen-budista, o Zazen se constitui como uma forma de meditação. Só que diferentemente do método tradicional, o principal objetivo do Zazen vai muito além do pensar ou não pensar. Quer conhecer mais sobre o assunto? Então confira o depoimento da jornalista Priscila Cotta, que vivenciou na prática a filosofia Zazen.
O zen-budismo é baseado no zazen, que significa sentar em zen – uma espécie de meditação. Contudo, seus praticantes não gostam de dizer que zazen é meditar porque o verbo é transitivo e pede um objeto. Ou seja, você teria de meditar sobre alguém ou alguma coisa, quando a ideia é justamente superar essa dualidade entre sujeito e objeto a que estamos acostumados.
“Quando cheguei ao templo Zendo Brasil, atraída pelo que tinha ouvido sobre budismo e os efeitos calmantes da meditação, tive de zerar alguns conceitos que eu trazia, como a aparentemente simples dualidade entre sujeito e objeto. E não parei mais de zerar as coisas, até restar simplesmente uma parede branca. Por vezes, nem parede havia.
Criada em uma família, digamos, curiosa no que diz respeito a filosofias, eu já tinha uma certa bagagem. Eu adorava, por exemplo, ver minha mãe ler o oráculo chinês I Ching. Pedia pra ela “tirar” as moedinhas para mim e ouvia atentamente aquele monte de palavras difíceis e enigmáticas – e era conduzida por ela pela interpretação dos símbolos, acreditando profundamente naquilo que ouvia.
A edição mais famosa aqui no Brasil tem prefácio do psicólogo e psiquiatra suíço, Carl Gustav Jung, por quem passei a me interessar em seguida. A partir daí, segui minha vida focada na razão e passei a olhar muito mais para fora do que para dentro.”
Dividia meu tempo entre os papeis de profissional, esposa e mãe. Ou mãe, esposa e profissional. Talvez esposa, profissional e mãe. Justamente. Eram tarefas demais e experiência de menos para equilibrar todos os pratinhos e lembrar daquele que nem foi citado porque era inexistente para mim, mas que é o único capaz de manter tudo em equilíbrio: o eu interior.
E foi assim que cheguei ao templo zen-budista. Estava certa de entender um pouco de todo aquele mundo por conta do meu passado e dominada pelas preocupações da vida prática. Ou seja, tão longe do zen quanto eu mesma nem poderia imaginar.
Fui numa quinta-feira, no zazen para iniciantes. Porém, em vez de uma aula sobre meditar, que era o que eu esperava, recebemos rápidas instruções sobre onde colocar os sapatos. Além disso, fomos instruídos também de como posicionar as mãos durante nossa estada no templo e como entrar no zendo, que é a sala de meditação. Ainda, como sentar no zafu, que é a almofada usada para meditar e como fazer reverências.
Claro que não deu pra pegar tudo de uma vez. Mas, a nossa mente, atenta a todas aquelas instruções, estava presente no aqui e agora. Assim, sem ter a menor noção disso, já estávamos começando o zazen.
Quando você pensa “entrar com o pé direito, fazer uma reverência, posicionar as mãos em shashu, sentar no zafu, girar em sentido horário até ficar de frente com a parede, deixar os olhos semiabertos e fazer um mudra com as mãos”, você não está pensando “não gostei daquilo que me disseram ontem, foi mesmo um desaforo, esqueci de pagar o condomínio, comi muito e preciso emagrecer, amanhã sem falta começo a dieta, será que ele gosta de mim?”.
A única instrução voltada para o período de meditação de que me lembro foi para não nos apegarmos aos pensamentos. Eles viriam, é fato.
Contudo, deveríamos nos colocar como observadores deles de modo a não embarcar em nenhum, apenas deixar que passassem. Uma frase apenas para explicar uma das coisas mais difíceis que já tentei fazer.
Depois que o sino tocou aquela noite – e, confesso, na maioria das vezes em que meditei até hoje, cinco anos depois – eu passei certo tempo dominada pelos pensamentos que brotavam. Embarquei em uma porção deles e brequei quando me lembrei de virar observadora. Assim, deixei de seguir uma historinha para pensar sobre como deveria pensar. Ou seja, estive o tempo todo presa no sujeito e objeto de tudo.
Mas como zazen não é competição e você não passa por níveis nem ganha medalhas pelo seu desempenho, tudo bem. A monja Coen Sensei sempre diz: “não tem de ser confortável, gostosinho, quentinho”. Mas claro, existem sim muitos benefícios.
“O que me fez querer seguir praticando não foi nem o zazen em si. Foi a vida que acontece nos intervalos.
Quanto mais eu exercito a minha mente para buscar aquela abstração, o desapego dos pensamentos, das historinhas, mais ela vai buscando sozinha aquele estado, mesmo quando eu não faço isso intencionalmente. Como aquela máxima que diz que as melhores coisas acontecem quando não esperamos por elas”, conta Priscila.
No trânsito, por exemplo. Se eu estou numa época de práticas mais intensas é até engraçado perceber que, em vez de desejar voar sobre todos os carros para chegar mais rápido no meu destino, ou ter raiva do motorista da frente que parou no farol amarelo, minha mente vai se aquietando, observando apenas. E quando vejo o farol abriu e só então me dou conta do que aconteceu.
Nas meditações mais intensas, chamadas de sesshin, que são os retiros (de um dia ou mais), os praticantes inclusive fazem atividades como comer ou limpar o templo em meditação.
Outra mudança na minha vida foi essa: eu participei de um sesshin de 12 horas. Desde então, de maneira muito natural, eu passei a buscar essa quietude da mente enquanto faço coisas de casa como lavar a louça. E olha que lavar louça sempre foi meu pior pesadelo.
Cinco anos depois daquele dia em que entrei no templo, eu continuo distante do que acredito ser uma vida zen. Mas não tenho mais certezas como antes e, principalmente, aprendi a olhar para dentro. Posso não ver nada, mas olho. Quando tem parede na minha frente, é na frente dela que eu sento. Quando não tem, sento mesmo assim – seja por um, 10 ou 20 minutos. Todos os dias, a cada semana ou até mais raramente.”
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