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Gerais

Como reconquistar um amor perdido

Movimentos transformam espaços públicos em locais de convivência, atividades culturais e muita alegria
Bruno Torres
27/09/19

“Tic Tac, Tic Tac, Tic Tac… É esse som que tem regido nossas vidas... Mesmo involuntariamente, vivemos em função do relógio e por ele somos comandamos. Somos pressionados pela dança mórbida dos ponteiros”, aponta o primeiro parágrafo do Manifesto do Amor1, elaborado pelo Desestressa BH, movimento que organiza intervenções na capital mineira com a intenção de alegrar o dia das pessoas que passam apressadas pelas ruas da cidade. Eles lutam para reconquistar uma relação de afeto com o espaço urbano, a qual, muitas vezes, é engolida pela correria da vida nas grandes metrópoles. 

Talvez não seja justo apenas culpar o tempo. Ele simplesmente passa. O ritmo em que vivemos é fruto de escolhas históricas feitas – por poucos – homens. E se a humanidade é responsável por chegarmos até aqui, também somos nós os responsáveis por proporcionar rumos melhores para a nossa e as futuras gerações.

Atendendo a esse chamado, movimentos espontâneos pipocam pelas grandes cidades com o intuito de alterar o modo como as pessoas se relacionam entre si e com o espaço urbano. “É muito importante ocupar os espaços públicos de um jeito criativo, se a gente realmente quer fazer uma mudança para sociedade temos de mudar as raízes”, acredita o jornalista André Gravatá, idealizador do projeto Desvios que propõe interações inusitadas e debates públicos.

É tempo de mudança 

“As relações que as pessoas mantinham com a rua têm mudado bastante. Elas estão descobrindo que podem transformar os lugares. E é importante que elas saibam desse poder”, sentencia Letícia Liñeira, umas das participantes do coletivo A Batata Precisa de Você que organiza ocupações no Largo da Batata, região do bairro paulistano de Pinheiros. “Sentimos que estamos todos carentes de ações que nos fazem rever nossa relação com o mundo”, revela Júlia Fontes, idealizadora do movimento Desestressa BH.

A grande questão é a desconexão das pessoas com elas mesmas, com os outros que estão na sua frente e com o espaço que elas vivem. Conexão é algo urgente.

Cada movimento tem seu estilo, mas todos são impulsionados pelo mesmo desejo: ampliar as conexões e melhorar a qualidade de vida nas grandes cidades. “A grande questão é a desconexão das pessoas com elas mesmas, com os outros que estão na sua frente e com o espaço que elas vivem. Conexão é algo urgente”, defende Gravatá.

 

A mudança no início é apenas um desvio

Daniel Ianae e André Gravatá decidiram lançar o projeto Desvios no início de 2014. O nome do projeto nasceu da busca de provocar desvios no olhar das pessoas, para que as pessoas consigam ver outras perspectivas e se transformem - como expressa uma frase que os inspira, do filósofo francês Edgar Morin: “no começo, as grandes mudanças são apenas um pequeno desvio de percurso”. Para atingir esse objetivo, eles organizam dois tipos de atividades: debates sobre educação em desobediência civil e, principalmente, as ações de presente em presente (APP). 

A segunda proposta é inusitada. Imagine chegar a um local público com diferentes tipos de pessoas reunidas e receber um envelope com a mensagem: “ 'Você não carrega uma música, carrega o momento'. Aborde as pessoas ao seu redor que estão com os fones de ouvido, e peça: 'Será que eu poderia escutar essa música com você?' ”.

Após executar essa tarefa, um novo envelope com um novo desafio é oferecido e assim por diante até receber o último com um local de encontro. A APP dura um dia de sábado, pois segundo Gravatá ela é uma experiência de entrega que necessita de um tempo relevante e de qualidade. Três encontros já foram realizados e a reação das pessoas superou as expectativas dos ‘desviadores’, como Ianae e Gravatá se intitulam no projeto. “Era como se tivessem me dado licença para fazer aquilo que sempre quis fazer”, revelou Paola, uma das participantes.

Nem todo mundo tem facilidade em encarar esses desafios.“Uma participante se viu desconfortável diante de tarefas que ela afirmou que não conseguiria fazer, como sair às ruas e começar a perguntar coisas para as pessoas. Ainda assim, ela retornou ao final do encontro e nos contou como foi esse período angustiante. Foi uma conversa muito rica”, relata o jornalista. “A orientação é sempre: se vocês não quiserem não façam, mas tentem se aprofundar nessa experiência e não negar apenas por negar.” 

Gravatá também recomenda fazer pequenas mudanças no dia a dia para diminuir o nível de mesmice com o qual nos acostumamos. “Mudar o caminho do trabalho, por exemplo, provoca uma série de outros encontros”.

A Batata precisa de você

Há doze anos o projeto do arquiteto Tito Livio Frascino venceu um concurso promovido pelo governo municipal de São Paulo para transformar o Largo da Batata, região no bairro de Pinheiros até então considerada poluída e mal cuidada, em uma área com muitas árvores, um singelo coreto e banquinhas para feiras permanentes de artesanato.

Após uma obra milionária, pouco do que foi prometido se concretizou. O espaço foi todo cimentado e está carente de vegetação e mobiliário. Frustrados, alguns moradores do bairro organizaram o coletivo A Batata Precisa de Você para ocupar com vida a área vazia.

“Eles começaram a fazer ações de ocupação às sextas-feiras para mostrar que esse largo tem potencial de ser um ambiente que reúne pessoas e integra diversas atividades culturais, como apresentações musicais, contação de histórias, oficinas e aulas”, explica a jornalista Letícia Liñeira, umas das participantes. Ela se integrou ao grupo após algumas ações.

Os eventos têm ganhado público cativo. “Num primeiro momento, a reação de quem passa pelo largo num dia de encontro é de observar mais à distância. Outros chegam e perguntam o que está acontecendo. Com o tempo, muitos acabaram se aproximando e se juntando ao movimento. Desde a festa junina, a adesão tem sido cada vez maior.”

Casal dança forró no Batatarraiá

Crianças foram a caráter e se divertiram no baile junino 

A cidade tem sido pensada a partir dos interesses gerados pela especulação imobiliária, responsável pelos prédios que brotam a todo momento em todos os cantos da cidade, e não para as pessoas.

O coletivo é composto por voluntários e não possui vínculos com institutos oficiais, mas segundo Liñeira, ele já conquistou a simpatia da Subprefeitura de Pinheiros e das secretarias municipais de Direitos Humanos e Cidadania e Desenvolvimento Urbano.

Liñeira aponta ainda que esse espaço de resistência também serve de exemplo para as autoridades refletirem sobre a falta de planejamento coletivo na produção e execução dos projetos urbanos. “A cidade tem sido pensada a partir dos interesses gerados pela especulação imobiliária, responsável pelos prédios que brotam a todo momento em todos os cantos da cidade, e não para as pessoas”, defende.

Manifesto do Amor

Era para ser uma volta normal do trabalho para casa, mas de repente entraram no ônibus um garoto e uma garota cantando alegremente e distribuindo o Manifesto do Amor. Aquela intervenção arrancou sorrisos e fez com que as pessoas questionassem sua postura diante da vida. Essa é a proposta do movimento Desestressa BH criado em 2011 pela publicitária Júlia Fontes e pelo estudante de publicidade Arthur Sant’Ana. Eles se cansaram da pressão da rotina e da falta de gentileza gerada pelo estresse. “Todo mundo busca ser feliz. E essa felicidade é consequência de escolhas e de construções. Viver sem olhar para o lado é ignorar a parte que me cabe na construção de um mundo melhor”, defende Fontes. 

O Desestressa BH organiza o piquenique do amor que em média recebe 600 pessoas a cada edição

“Arthur carrega sempre um violão e nós cantamos e distribuímos o Manifesto do Amor. Entre uma música e outra, conversamos com todas as pessoas e inclusive fazemos exercícios e algumas dinâmicas”, conta a publicitária. “Em uma ação que realizamos num ônibus no centro da cidade, um senhor de idade saltou do coletivo atrás de nós chorando muito. Ele tinha ficado extremamente tocado com a mensagem que levamos.” O movimento também conta com cerca de vinte voluntários fixos que participam das intervenções. 

Em sua quarta edição, o piquenique divertiu o público no Parque das Mangabeiras em Belo Horizonte

Algumas pessoas no início estranham e até rechaçam a intervenção. “Uma vez, um homem de uniforme, que havia acabado de sair do emprego, nos encontrou cantando dentro do ônibus e nos xingou com todos os palavrões do mundo. Ele estava muito agressivo e encontrar alguém numa posição contrária à dele o incomodou bastante. Tivemos muita compreensão e deixamos o cara quieto. No final da ação, ele se despediu de nós sorrindo”, relembra Fontes que em 2015 deixou o movimento para tocar outro projeto social..  

Sentados, os idealizadores Júlia Fontes e André Sant'ana na quarta edição do piquenique do amor

Sobre a opção de realizar o Manifesto do Amor, ela explica que é do amor que nascem todas as virtudes: paciência, tolerância, respeito e cidadânia. “Sem esses valores a vida em sociedade não se torna possível.”

 


Para participar do projeto Desvios

Em 2015, o grupo não realizou mais encontros, mas para entrar em contato com os organizadores é só mandar um email cenas.desvios@gmail.com.

 

Veja também:

A reconquista do espaço público, por Renata Minerbo

 

Foto 1: Ilustração de Júlia Fontes

Foto 2, 3 e 4: Imagens de divulgação - retiradas da página de facebook do coletivo A Batata precisa de você

Foto 5,6 e 7: Ricardo Lobato

 


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