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Diversão e Viagens

Beto Pandiani: mudança sobre as ondas

Empresário troca bem-sucedida participação na noite paulistana por 289 dias em um pequeno barco
Bruno Torres
27/09/19

“Saí de uma vida urbana como a que eu tinha (e tenho ainda) de trabalho, compromissos, um monte de funcionários e tudo o que existe na vida típica de um paulistano. Meus pertences passaram a ser três camisetas, três shorts, um casaco de chuva, uma sandália de dedo e os equipamentos do barco. E aí você passa um ano com isso. Quando você volta a São Paulo, vê que foi um dos anos mais importantes e felizes da sua vida.”

Roberto Pandiani, também conhecido como Betão, 53 anos, nascido na cidade de Santos, estudou administração de empresas e foi barman durante cinco anos, apesar de quase não consumir álcool. Como sócio-proprietário das casas Singapura, Olivia e Aeroanta, tornou-se referência na noite paulistana final dos anos 1980.

O fascínio hereditário (o pai velejava na Itália) pelo mar, somado ao gosto pela aventura e a uma boa dose de tenacidade mudaram a direção dos ventos que impulsionavam sua vida. Em 1994, aos 37 anos ele deixa para trás uma rotina cercada de luxo e conforto e parte para uma travessia oceânica entre dois continentes. A viagem Miami-Ilhabela durou 289 dias. A singularidade da empreitada deveu-se ao fato de ela ter sido realizada sobre dois Hobie cats 21, tripulados por dois velejadores cada. Hobie cats são pequenos veleiros sem cabine, de pouco mais de seis metros de comprimento, normalmente utilizados para percursos curtos. Em suma, verdadeiras “jangadas high-tech”. A alta tecnologia limitava-se a um GPS, um computador para comunicação via satélite, um sistema de localização de emergência e comida balanceada e liofilizada, armazenada no bojo da embarcação.

Terminada a jornada, Betão abandona, em caráter definitivo, a pele de homem da noite. A essa primeira travessia juntaram-se outras seis, várias palestras e livros publicados. Em entrevista a NAMU, o autor de vários livros como Brasil Aventura (editora Terra Virgem), O Mar é Minha Terra (editora Grão) e Rota Boreal – Expedição ao Círculo Polar Ártico (Terra Virgem) conta sua história de transformação.

Portal NAMU: Você era um empresário de sucesso e foi morar durante quase um ano em um barco despojado. O que o motivou?
Roberto Pandiani: Todas as coisas que muita gente busca na vida, ou acha que é importante, como ser famoso, ter dinheiro ou ser conhecido não são alimento da alma, não trazem felicidade. Trazem satisfação, bem-estar e muitos momentos de alegria e prazer. Tive sempre muito prazer em tudo o que eu fiz, mas esse nunca foi meu propósito.

E qual era seu propósito quando decidiu fazer a viagem?
Na época, queria aventura, sou muito intuitivo. A viagem trouxe uma noção real de quem é que mora nesse planeta. A gente é tão bombardeado pela mídia, ouvimos que nosso planeta é um lugar de energias ruins, de pessoas más, um lugar perigoso. Quando você sai pelo mundo, você vê que ele é repleto de gente maravilhosa, que recebe, que acolhe. Você conhece pessoas que jamais poderia encontrar se não fosse dessa forma, você dorme em lugares intocados, onde só um barco pequeno como o nosso poderia chegar. Dorme na casa de pescadores, dorme na barraca, dorme na tribo de índios, em plataforma de petróleo, em iate clube de luxo.

Quando você chega num lugar, as pessoas te acolhem porque acham que você precisa de comida, de casa. É impressionante chegar ao destino e continuar longe, é muito bom você se sentir acolhido. Isso ensina a acolher.

Pode citar algum episódio de acolhimento significativo?
Nessa primeira viagem, um dos episódios mais significativos foi dormir numa tribo yanomami na Amazônia venezuelana. Os índios que nos receberam, até cinco anos atrás, nunca tinham visto um homem branco. Imagine eu, com esses quase dois metros, num barco estranhíssimo para eles. Se alguns marcianos chegassem aqui em casa, eu os receberia com mais naturalidade do que os índios me receberam.

Roberto Pandiani explica conteúdo de um livro para crianças ao seu redor

Quando escureceu, eles foram para a oca. Eram uns 50, umas 10 famílias. Entraram dentro dessa oca gigante e estavam fazendo o jantar. Cada núcleo de família se reunia em torno do fogo e das redes. Nós, meio sem graça, num canto olhando aquela cena, constrangidos para fotografar e até para falar. Aí o Roberto Linsker, fotógrafo e documentarista, disse: “Essa cena aqui, se acontecesse há 2 mil anos, seria a mesma. O que vale dizer que nós entramos numa máquina do tempo e andamos dois mil anos para trás ao entrar nessa oca.”

A cena me deixou muito tocado, pensei: “O que será que eu posso mostrar para eles aqui que faça algum sentido? Porque o universo para eles é a floresta, um pouco mais além do local onde eles vivem e o que eles sabem do mundo? Nada, não sabem nada do planeta, não sabem que existem outros países, avião, outras línguas.

Busquei meu walkman no barco e coloquei uma fita com a música Sentinela, do Milton Nascimento. Voltei e coloquei no ouvido do cacique. Ele ficou extasiado, olhava para a caixinha e olhava para mim. O senso de coletividade deles é tão grande que o cacique passou para a tribo inteira. O walkman foi de mão em mão.

Duas crianças vieram e devolveram o aparelho para mim e cantaram um cântico. Aí o Duncan, um dos tripulantes do barco, cantou uma música. Nós aplaudimos e os índios aplaudiram também. Eles aprenderam aquilo com a gente. Vieram mais duas crianças, cantaram outra música, aí eu cantei e mais duas outras vieram e cantaram, então o Duncan cantou, todo mundo aplaudindo. Foi uma noite especialíssima.

Nós e a tribo yanomami encontramos uma linguagem comum que foi uma muito amorosa, ninguém tinha nenhum interesse de conquistar, era pura curiosidade de ambas as partes. Às vezes me pergunto se alguém naquela tribo lembra. Porque eu, eu nunca mais me esqueci.

Tudo o que eu havia feito na minha vida para conseguir chegar naquela tribo havia sido quase um caminho, tudo convergia para aquele momento. Viver aquilo, como outros encontros da minha vida, me fez pensar que valeu a pena ter passado tudo o que eu passei, me faz pensar sobre o destino, sobre o livre-arbítrio.

Não foram poucos encontros, foram muitos. O banco de dados da alma se abastece de emoção e sentimento, não de coisas racionais. Você tem emoção quando uma pessoa abre a porta da casa dela e te convida para entrar, mesmo tendo pouco a oferecer. Um prato de sopa, um pão com manteiga. É uma maravilha comer manteiga na Patagônia porque lá é muito frio.

Esses encontros estão mais à frente do propósito da viagem do que o propósito náutico. A gente bate recorde, velejar é o que a gente gosta, tem o prazer de fazer o barco andar rápido, de driblar o mau tempo. Mas o barco é um veículo para esses encontros.

Veleiro atracado em uma praia

E qual a diferença entre estar num barco pequeno e realizar um cruzeiro a bordo de um luxuoso transatlântico?
Eu sou o capitão do meu barco. Tenho autonomia, decido para onde e quando ir. O cruzeiro é lugar comum. Nós somos exploradores. A gente consegue chegar numa vilazinha de pescadores, conhecer a história do pescador, saber o que ele vive, sentar na casa dele, comer um peixe que ele pescou, essas histórias você não vê da janela da cabine de um transatlântico.

Da janela da cabine de um transatlântico. Como não? Sempre pode estar comprando um souvenir.
Você não consegue sentir emoção comprando um souvenir, você não consegue sentir emoção olhando a natureza de longe. Nossas velejadas são extremas e têm um sentido de confiança na natureza e resistir ao frio, calor, cansaço e perceber que a natureza é uma força que pode ser entendida e integrada.

Então, além dos encontros, há as lições da natureza.
O veleiro anda com o vento. Como você faz para andar com o mau tempo? Às vezes o vento é contra seu objetivo. Como você faz para usar essa energia? Tal qual é a vida. Quando a gente volta para cidade, você vê que o que aprendeu com o mar e com o vento, você pode usar aqui. Por exemplo, perseverança. Vale a pena você saber que vai velejar e no final do dia vai encontrar uma praia abrigada. Mas você tem de acreditar, não pode desistir. Saber que o mau tempo pode durar três dias, mas vai passar. Igual à nossa vida. O aprendizado é dinâmico – o que se aprende com a cultura também se leva para o mar.

Roberto Pandiani

Sobre a economia da felicidade, o que você aprendeu nessas velejadas em lugares por vezes inóspitos, a bordo de um barco despojado?
O nosso barco tem recursos fundamentais para a gente viver, mas não tem nada além do que a gente precisa. Não fui mais ou menos feliz por causa disso. A gente tem a falsa ideia de que precisa ter mais coisas para ser feliz. O mundo caminha para a questão da água, da moradia. A gente vai ter que aprender a viver com menos. Tudo vai ficar cada vez mais difícil e mais competitivo se a gente não encontrar uma solução inteligente.

Cruzar um oceano durante quase um ano num barco sem cabine ensina a viver com pouco, ou melhor, o barco te ensina a viver com o essencial. Ele é espartano, não tem água à vontade, não tem comida à vontade, o espaço é reduzido. Você volta a São Paulo e percebe que tem uma vida perdulária, você gasta tempo, gasta energia, pensa coisas desnecessárias, usa mais energia do que precisa, mais água do que precisa.

O barco também tem sido um lugar que me leva para longe dessa vida, dessa poluição em todos os sentido, dessa poluição da mídia.

Como a mídia polui?
O barco é a antítese da cidade. Você não vê ninguém na frente, ninguém atrás, ninguém do lado. Só embaixo que tem peixe (risos), mas você não vê. O meu incômodo é que a mídia é manipuladora, ela mantém a mente humana ocupada, na maioria das vezes, de lixo, de coisas que não são construtivas, que não geram nenhum pensamento ou crescimento. As pessoas ficam num looping, numa hipnose. Você vê isso no esporte, na questão da beleza, do dinheiro. Tudo gira em torno do superficial. Você vê pessoas esclarecidas sendo engolidas.

Quando vou para o mar, fico distante dessa nuvem e consigo ter clareza do que está acontecendo no nosso planeta.

E o que está acontecendo no nosso planeta?
Nosso planeta está sendo controlado por nossa ignorância. O ser humano não está criando uma coisa que seja justa e amorosa para todos. Estamos criando um lugar inóspito porque damos tempo e energia para coisas que não nos beneficiam. O quanto vale a pena manter esse padrão de raiva, de angústia? Isso é muito pequeno. Somos muito pequenos diante do universo.

O que me conforta é que, mesmo sendo pequenos, somos únicos. E existe uma razão: talvez exista algo a ser feito por você que só você pode fazer. Dentro dessa coisa ínfima que a gente é, sermos únicos nos torna fundamentais e traz um senso de muito grande de responsabilidade, de dever.

Fotos: Roberto Pandiani


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