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Diversão e Viagens

Claudio Edinger e a procura pelo eterno

Em suas viagens, o premiado fotógrafo retrata a intimidade e a beleza de comunidades em vários lugares do mundo
Bruno Torres
27/09/19

Judeu por nascimento e hindu por opção, o fotógrafo Claudio Edinger especializou-se em revelar a intimidade de mundos distantes. A jornada começou quando tinha 23 anos e clicou o cotidiano do Edificio Martinelli, em São Paulo, na época uma favela vertical. Depois de expor seu ensaio no Museu de Arte de São Paulo (MASP), partiu para Nova York, onde registrou o cotidiano dos judeus hassídicos, os excêntricos do Hotel Chelsea e os frequentadores de Venice Beach.

A disposição em conhecer círculos diferentes e a maestria com a câmera renderam a Edinger espaço nas páginas de algumas das publicações mais prestigiadas do mundo, como National Geographic, Life e The New York Times Magazine. “A intimidade de um grupo, essa coisa de antropólogo, não é coisa que se encontra a toda hora”, conta em entrevista ao Portal NAMU. “Quando você consegue refleti-la nas fotos, as pessoas se interessam. O que está retratado deixa de ser particular, torna-se universal”.

Quatro pessoas indianas na escadaria à beira do Rio Ganges carregando fardos de roupas em suas cabeças
"Sigo um guru indiano e faço meditação há 40 anos. Em vários lugares, sinto uma energia forte", conta

Suas fotos da Índia são impressionantes. O que o motiva a retratá-la tanto?
Para um fotógrafo, a Índia é um paraíso porque tem tudo acontecendo. Os homens convivendo com os animais, as cores, as mulheres carregando tijolos pesados vestindo véus maravilhosos e usando aquele ouro no nariz. Os homens do Rajastão têm turbantes na cabeça que, quando você estica, viram uma rede onde dorme um casal. Na rua, de repente, você vê um elefante. Fiz um vídeo numa rua estreita onde há um cara com um carrinho de doces. Aí, o cara passa perto de um elefante que rouba um doce com a tromba.

A Índia é o nirvana?
Não, não é o paraíso, tem vários conflitos, massacres. É uma situação muito complexa.

Pessoa indiana de costas com roupa colorida à beira do Rio Ganges
"O artista não aguenta repetir, tem de pesquisar, descobrir coisa nova", explica Edinger

Muitas pessoas reclamam da sujeira e da pobreza onipresente da Índia. Isso o deixou chocado?
Não tive choque algum, já fui quatro vezes. Na primeira viagem, fiquei alucinado, às seis da manhã já estava fotografando. A Índia tem muita pobreza, muita sujeira, os valores de limpeza dos indianos não são iguais aos nossos. Mas você vai encontrar pela Índia poetas, pensadores, e iluminados extraordinários; arte extraordinária, templos maravilhosos.

Impressiona a maneira como as pessoas se vestem, o colorido. A cada dia, as pessoas colocam florezinhas para diferentes aspectos de um mesmo deus. Isso é bem bolado: o criador tem vários aspectos. Cada um cultiva o aspecto do Divino que mais lhe atrai através de símbolos, metáforas. E os indianos adoram os estrangeiros. Pedem para tirar fotos com você e adoram ser fotografados. A linguagem corporal deles é muito rica: são expressivos e relaxados.

Sigo um guru indiano e faço meditação há 40 anos. Em vários lugares, sinto uma energia forte. Na beira do Ganges, e onde muita gente vê vacas mortas, vejo um lugar onde milhares de homens santos se banharam. O santo irradia uma energia inexplicável do corpo, o rio tem uma energia extraordinária.


"Viajar e fotografar são coisas inseparáveis. Se não puder levar a câmera, não viajo", conta

Como é a experiência de encontrar um homem santo?
Não dá para falar. Como é tomar suco de laranja? Você tem de tomar. Meus átomos ficam vibrando. Eu levei um grupo a um templo e era gente que nem está acostumada a meditar. Mas mesmo assim, você entra no templo e sente uma paz, uma energia, seu corpo relaxa. Você entende o conceito do que é ter uma alma, algo muito além do corpo. Incrível. Você pode ir para Bom Jesus da Lapa, na Bahia, e sentir isso.

Tem gente que diz que viajar com a máquina fotográfica estreita a mente e as ideias.
Viajar e fotografar para mim são coisas inseparáveis. Se não puder levar a câmera, não viajo. Entendo muito melhor a realidade com a câmera. Fotografar é pegar o efêmero e transformar em eterno. Só vai sobrar a imagem. Quando a fotografia tem força, pode ficar na parede para sempre.

Fotografar é encontrar aquilo o que a humanidade está procurando: a imortalidade. O fotógrafo sabe que vai morrer e tenta capturar a imortalidade da maneira que pode. A fotografia é um alívio contra a angústia da passagem do tempo.

Paisagem da Índia com duas árvores nas extremidades esquerda e direita em primeiro plano com o um rio e edificações ao fundo
"Você vai encontrar pela Índia arte extraordinária, templos maravilhosos", afirma

Como você largou uma promissora carreira de economista, arrumou as malas e partiu para Nova York aos 23 anos?
Minha carreira nunca teve nada de promissora. Eu ia ser um péssimo economista porque o economista é aquele faz tudo direitinho, confere os dados. Artista não é assim, artista atende a um chamado. O meu aconteceu aos dez anos, quando fui obrigado a escrever 100 vezes a mesma frase numa lousa que cobria as quatro paredes de uma sala de aula do Colégio Rio Branco.

Enquanto eu escrevia “eu não vou mais me comportar mal”, os colegas gritavam no pátio lá fora, torcendo pelo Brasil no jogo contra a Tchecoslováquia, era a época de Copa do Mundo. Escrevi cada uma das cem frases de um jeito diferente. Esse é o chamado do artista, ele não aguenta repetir, tem de pesquisar, tem que descobrir coisa nova, inovar faz parte do seu temperamento.

Indiano tenta domar cavalo em uma rua movimentada. Ao lado, homem monta em um camelo
"Na Índia, impressiona a maneira como as pessoas se vestem, o colorido", lembra o fotógrafo

"Na primeira viagem à Índia, fiquei alucinado, às seis da manhã já estava fotografando", conta Edinger

Como alguém com essa índole de artista consegue terminar a faculdade de economia?
Procuro terminar o que começo. Só tiro a foto quando a imagem está arrumada, é um tipo de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Como tinha dinheiro guardado, resolvi viajar para os Estados Unidos, logo depois de expor uma série de fotografias sobre o Edifício Martinelli no Museu de Arte de São Paulo, o Masp. Levei esse material comigo e fiquei deprimido porque eles não sabiam nem onde ficava São Paulo, nem o que era a cidade.

Por que você fotografou justamente os judeus hassídicos em Nova York? Por ser um grupo que frequenta Higienopólis, bairro onde você mora?
Aqui eu nunca tinha reparado neles. Lá, vi um desses judeus de barba comprida e chapéu passando na rua. Achei estranho, parecia que estava fantasiado. Segui-o e avistei um grupo na Rua 47. Comecei a pensar no que representa esse grupo, que provoca tantas reações e, ao mesmo tempo, tinha muito a ver comigo.

Homem equilibrado nos ombros de um amigo em uma festa judaica em Nova York enquanto os celebrantes observam com apreensão
"Fotografar é pegar o efêmero e transformar no eterno", comenta o artista.

Como eles tinham a ver com você? Judeus ortodoxos levam uma vida muito regrada, não?
Eu já tinha uma disciplina asceta por conta própria: meditava, parei de fumar e beber. Era o começo dos anos 70, tempos de contracultura, uma loucura, quando podia tudo no Brasil. Em Nova York, calhou de eu poder ficar sozinho e procurar entender o que era tudo aquilo. Andava em busca de uma comunidade. Fui morar no bairro deles, que era um lugar barato. Comecei a entender o grupo. Judeus ortodoxos têm divisões internas e sofrem muita perseguição, inclusive dos outros judeus. Foi uma aventura incrível, sair do Brasil com destino a Nova York e ir parar no século 19.

E qual foi o resultado dessas suas imagens?
Expus no International Center of Photography (ICP). Na época, a mostra gerou uma grande repercussão no Brasil, não tanto pelo tema em si, mas porque se tratava de um brasileiro de 26 anos expondo no ICP. A partir dessa exposição, fui convidado para dar aulas na Parson's School for Design.

Plateia de judeus ortodoxos observam uma celebração
"Judeus ortodoxos têm divisões internas e sofrem perseguição inclusive de outros judeus", ressalta

Qual foi o gatilho para o instituto convidar um jovem fotógrafo vindo de uma terra desconhecida?
Fiquei amigo de Philipe Halsman, que era da mesma cidade da minha avó na Letônia e uma prima dele, que morava em São Paulo, conhecia a minha família. Ela falou para eu procurá-lo e fui. Ele me apresentou ao diretor de fotografia da Parson's. Quando você descobre a intimidade de um assunto, todo mundo se interessa por ele, pois é o que procuram.

Você tem muita sorte quando começa a ficar íntimo dos que estão à sua volta. Quando você consegue retratar a intimidade de um grupo, então, as pessoas se interessam. O que está nas fotos deixa de ser particular, torna-se universal. O mundo é tão misterioso, tão enigmático que essa abertura esclarece algumas coisas para você, na verdade expande o mistério.

Com um muro branco ao fundo, menino olha para o chão enquanto se apoia em uma prancha de bodyboard.
Edinger publicou suas fotos em algumas das mais prestigiadas revistas do mundo.

Logo depois você escolheu o Hotel Chelsea para morar. O que ele tem de tão especial?
Construído por milionários americanos, o hotel foi inaugurado em 1883. Não era uma coisa homogênea. Cada andar era de um jeito e no topo puseram aquela pirâmide impressa na nota de um dólar - um ícone símbolo de poder. Fui vendo as pessoas no elevador, no lobby e conhecendo os quartos. Não tinha um quarto igual ao outro.

A maioria das pessoas morava lá por um mês. O Andy Warhol vivia por lá filmando. O Chelsea sempre hospedou artistas: Bob Dylan, Virgil Thomson, Jimmy Hendrix, Janis Joplin, Arthur C. Clarke, autor de 2001 – Uma Odisséia no Espaço. Havia mais quatro fotógrafos tentando fazer um livro sobre o hotel, só eu acabei fazendo de fato. Nenhum outro morava lá.

Fotografava todo mundo, da arrumadeira ao porteiro. O cara que carregava as malas, o artista de Israel, o escultor que tinha obras no saguão, mas nunca fez sucesso. O dono aceitava obras como pagamento. Adorava ter os artistas lá, cuidava dos hóspedes como um pastor cuida da sua manada.

O livro sobre o hotel teve boa repercussão?
Depois dele, trabalhei para todas as revistas norte-americanas.

Fotos: Claudio Edinger


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