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Filosofia Contemporânea

Política sem jeitinho

"190 milhões de pessoas mal-educadas para a vida em sociedade", diz o cientista social Humberto Dantas
Bruno Torres
12/04/15

“As diferenças nos alimentam, é muito importante que elas existam.” Com essa frase, o cientista social Humberto Dantas abriu o debate sobre Animosidade e intolerância no sonho democrático brasileiro, tema do 3º encontro Pelas Frestas e Beiradas - a Política pode ser sexy, sem ser vulgar, realizado em 30 de junho na Associação Palas Athena, em São Paulo.

Para iniciar a discussão, Dantas, que também é professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), relembrou o pronunciamento da ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal, em abril, no qual ela afirmou que não existe democracia com intolerância e, na mesma ocasião, convocou a sociedade brasileira a ser mais tolerante para que seja possível efetivar o regime democrático.

Intolerância

Mas o que significa ser intolerante na política? Segundo o cientista social, esse comportamento é consequência da falta da capacidade do brasileiro em dialogar com o outro e respeitar ideias diferentes. “A gente não consegue mais dialogar, nos sentamos à mesa um em frente em outro e não conseguimos conversar”, diz.

No âmbito político, essa característica ganha dimensões catastróficas e interfere nos rumos do país. “A sensação para quem está envolvido com análise política é que estamos como o Rio Amazonas, onde quem está numa margem não enxerga quem está na outra”, compara.

Somos o problema

Contrariando aqueles que acreditam os brasileiros formam um povo maravilhoso, Dantas aponta que o que há de mais problemático nesse país, somos nós – brasileiros. “Sou muito pessimista em relação ao nosso jeito. Somos 190 milhões de pessoas mal educadas para a vida em sociedade. Isso porque ninguém teve a transmissão oficial do que o Estado brasileiro pretende enquanto sociedade. No Brasil, a família é maior que o Estado.”

Para o professor, esse comportamento não é recente e se relaciona com o homem cordial, descrito por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil1 - publicado pela primeira vez na década 1930. Cordial na definição do historiador não é simplesmente uma pessoa gentil, é alguém que segue os impulsos do coração, ou seja, que segue uma lógica visceral em detrimento do pensamento racional. Por estar inserido nessa cultura, o brasileiro teria dificuldades em separar o privado do público e colocaria mais carga emocional e interesses privados do que racionalidade e senso coletivo na política, o que seria um atalho para a tragédia, na visão de Dantas.

A culpa, portanto, não estaria no sistema e sim, na consciência do eleitor. “Todo sistema é detonável em relação ao que gente tem hoje de valores”, acredita. Para alterar esse cenário, seria preciso agir imediatamente e ainda assim os frutos da mudança só seriam colhidos daqui uns 30 anos, acredita o professor. Para ele, a única saída é a inserção de uma educação política no contexto escolar que, além de esclarecer como funciona o sistema político institucional, promova o senso coletivo e de responsabilidade individual.

Roda de pessoas discutindo em em uma sala da Associação Palas Athena

Preste mais atenção

Pedro Kelson, organizador do encontro, explica que o objetivo do evento é justamente modificar alguns comportamentos condenáveis dos brasileiros. “Esse é um evento necessário, porque a gente vive numa cultura da desresponsabilização, que é de não assumir as coisas e de querer fazer as coisas pelo jeito mais fácil. A gente precisa reaproximar as pessoas da vida pública e da política como parte do nosso cotidiano. Se a gente não entender a vida política em seu sentido mais amplo, a gente não vai gostar da política institucional, porque só quando começamos a entender o papel que ela tem dentro da sociedade, começamos a prestar mais atenção nela”, diz.

Alguém se interessa por política?

Em um país em que uma das frases mais ouvidas é “eu não gosto de política”, tem gente que sai de casa numa segunda-feira à noite com o intuito de debatê-la. “Eu vim parar aqui, porque eu gosto muito de debater a política. É o debate que traz o esclarecimento para as pessoas”, conta o historiador Thiago Rocha, que veio de Santo André para o encontro.

Flávia Bellaguarda, advogada, defendeu que é muito importante um encontro como esse. "Acho muito importante essas rodas de bate-papo para abrir o horizonte”, opina. E revela que o pessimismo passado pelo professor pode ser motivador. “A gente precisa desse choque de realidade. Essa angústia motiva, pois você pode se utilizar desse sentimento que não é tão bom para algo útil. Eu saí angustiada, mas não vou sair reclamando: ‘tudo está perdido, eu desisto’. Eu vejo essa revolta como algo positivo, pois você para de reclamar e começa agir."

Estragos da corrupção

Entre os presentes, estava uma figura conhecida da cena política nacional, Maria Christina Mendes Caldeira, 48 anos, que depôs contra o deputado federal Valdemar da Costa Neto, seu ex-marido, na CPI do mensalão, em 2005. “Faz dez anos que eu sofro atentado, ameaças, eu tenho que sair do Brasil, porque meu carro capota quatro vezes, eles colocam revolver na minha cabeça, tudo porque eu fui depor. Existe uma confraria velada e eles não admitem alguém que vá e fale. Aqui não existe punição”, revela.

Roda de pessoas discutindo em em uma sala da Associação Palas Athena.

Durante o encontro, Caldeira contou que há a possibilidade de sair candidata ao cargo de deputada federal nas próximas eleições. No entanto, após a fala do professor demonstrou-se menos entusiasta com essa carreira. “Eu não sei se meu caminho é esse, porque acredito em uma construção de campanha mais coletiva, uma participação durante quatro anos e não um business de eleição. Tenho interesse muito grande em políticas públicas muito mais do que em sistema político”, confessa.


Veja também:
Confira a entrevista completa com o cientista social Humberto Dantas


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