A falta de atenção e de concentração é um dos principais desafios da vida contemporânea. O excesso de informações, de estímulos e de possibilidades produz, muitas vezes, sensações de frustração, ansiedade e angústia.
Em entrevista exclusiva ao NAMU, o monge Gen Kelsang Geden apresenta as vantagens de praticar a concentração por meio de exercícios e técnicas de meditação. Ele também fala como essas práticas são capazes de melhorar nosso dia a dia. Confira!
NAMU: Diante de todas as informações e estímulos aos quais somos expostos na atualidade, como é possível lutar contra a falta de atenção e evitar a ansiedade e a angústia do mundo pós-moderno?
Monge Gen Kelsang Geden: Quando nós temos uma baixa concentração, ficamos absolutamente perdidos nessas informações todas.
Dá-nos a impressão de que devemos acompanhar tudo. Essa sensação de angústia começa porque nós queremos saber de tudo. “Eu preciso saber disso, preciso saber daquilo!”. Isso é um baixo nível de concentração.
Quando as pessoas são um pouco mais concentradas elas não têm essa preocupação. Você termina uma coisa para começar outra e essa atitude é muito produtiva.
Uma pessoa distraída fica insegura e começa a pular de atividade em atividade e não termina quase nenhuma, não rende. Esse estímulo de excessos de informações além de cobrança pessoal, também é uma pressão externa.
Todo mundo produz, os aparelhos fazem muita coisa e a globalização permitiu uma série de fontes de informação nas quais você consegue ver notícias sobre o mundo todo. Uma pessoa concentrada não liga muito para isso.
Portanto, ter atenção e estar concentrado não significa dar conta de todos os assuntos ao mesmo tempo, mas deixar de se preocupar por não ser capaz de fazer isso?
Exatamente. Por exemplo, um efeito da baixa concentração é o das pessoas que não conseguem dormir. Elas falam que não conseguem desligar.
Uma pessoa concentrada fala “eu vou dormir” e dorme. O nosso mundo vive perigosamente sem concentração.
Muitos acidentes, seja de avião, seja do que for, acontecem porque alguém esquece de algo, depois outro alguém também se distrai e em uma sequência de eventos um avião cai, um trem bate no outro. A origem disso, muitas vezes, é falta de concentração.
Por exemplo, falar ao celular. As pessoas não avaliam que aquele momento não é certo para isso. Às vezes, você dirige e bate, está caminhando e cai em um bueiro, torce o pé, pode ser atropelado.
Tudo porque você não ponderou que aquela conversa não precisava acontecer ali, naquela hora. Nós temos dificuldade de fazer isso.
A ansiedade e a angústia seriam frutos dessa falta de atenção e concentração?
Perfeitamente. São efeitos colaterais da falta de concentração. Isso começa, inclusive, no berço.
A criança está comendo uma coisa e já está pensando na outra: “o que eu vou comer de sobremesa?”. Nem está sentindo o gosto da comida.
Somos todos assim e o mundo atual está colaborando para ampliar isso. Muita informação. Há alguns meses, era só o e-mail, agora nós temos de controlar o e-mail, o Facebook, o Twitter.
Três, quatro fontes de informação para saber o que estão falando com você. A globalização trouxe tudo isso. As pessoas que não conseguem acompanhar, sentem-se fora, perdidas. Com esse estresse todo, a angústia fica fora do controle.
Como as crianças são afetadas pela avalanche de informações? Elas crescem em um ambiente multitarefa, onde há um estímulo para falta de atenção vindo de vários focos. No que isso pode ser prejudicial?
Tudo isso pode ser muito prejudicial se os pais não adotam certos filtros.
Hoje em dia, para a criança ficar calma, os pais a colocam na frente da televisão, sem escolher o programa, nem nada.
Eu não tenho nada contra programas para crianças que sejam dedicados e construídos para elas, mas os pais, por falta de instrução e por querer que a criança pare de chorar, acabam não pensando no bem dela.
Eles criam as crianças para serem distraídas. “Está chorando? Então vamos distrai-la com outra coisa”. Dessa forma, as crianças não conseguem se concentrar.
Então a “epidemia” de diagnósticos de déficit de atenção entre os jovens da geração Y pode ser um reflexo desse ambiente?
Sim. Na verdade, desde o útero da mãe a falta de atenção é estimulada. O que ela escuta, o que ela faz no supermercado, no shopping, há sempre sons direcionados à criança e isso está diretamente influenciando o bebê.
Nesse caso, o atual excesso de medicação com Ritalina poderia ser evitado por mudanças de hábitos que propiciam a falta de atenção? Isto é, difundindo a prática de meditação entre crianças?
Em alguns lugares é possível ver as pessoas tentando colocar a meditação na sala de aula. Normalmente, quando a professora se interessa pelo assunto ela consegue inserir a prática.
Uma vantagem das crianças é que, em geral, elas estão abertas a tudo, ainda não estão viciadas em modismos. Se você estimular a meditação, eles podem conseguir se concentrar melhor e trabalhar nessa falta de atenção. Mas isso ainda não é uma medida institucionalizada.
Toda escola deveria ter meditação. Ela é útil para todos.
Existe a meditação budista, mas também existem outras. Concentração e meditação não são monopólios budistas.
Nós sabemos fazer isso porque nosso mestre Buda Shakyamuni nos mostrou a grandiosidade e os benefícios da meditação.
Para diminuir a falta de atenção, existem exercícios ou métodos de concentração que podem ser feitos no dia a dia além da meditação?
A meditação precisa da concentração. A concentração é a capacidade de ficar um certo tempo focado num único objeto. Existem exercícios e práticas que consistem em repetir esse foco em um mesmo objeto várias vezes.
Por exemplo, você pode escolher um objeto simples, como a sua própria respiração. Você faz isso uma, duas vezes ao dia e, assim, treina a sua concentração. Escolha sempre o mesmo objeto. Assim você consegue avaliar se está progredindo quando não varia.
Quando o objeto é diferente, uma hora medita em respiração, outra hora em compaixão. Por exemplo, você não consegue perceber progresso na concentração. A ideia é “vou treinar concentração” e ficar dois, três minutos totalmente focado sem me distrair.
Quando você entra em uma academia para fazer musculação, você não vai carregar todos os pesos de lá no seu dia a dia. Os músculos, contudo, vão estar fortes, porque você treinou.
Se você se concentrar em um objeto sempre, isso vai ajudá-lo a se concentrar em qualquer outra atividade. Se você precisa ler longos textos, você precisa de concentração, caso você não a tenha, logo vai perceber que não lembra mais o que acabou de ler, não consegue mais fazer a associação.
Portanto, treinar a concentração em um objeto vai servir para um monte de coisas que no dia a dia você nem percebe.
Para fazer esse exercício para diminuir a falta de atenção, deve ser um objeto mental ou pode ser um objeto palpável?
Pode ser um objeto palpável. Por exemplo, olhar a imagem de um Buda, depois fechar os olhos e reconstituir mentalmente essa imagem. Dessa forma, você se fixa nessa figura e treina concentração.
Além disso, a imagem de um Buda é um objeto altamente virtuoso, ou seja, você está ganhando duas coisas ao mesmo tempo: treinando concentração e criando um carma positivo enorme.
Mas também, o foco pode ser até na luz de uma vela. Você observa uma vela acesa e foca naquilo. Isso vai aumentar sua concentração, sem dúvida nenhuma, mas nesse caso esse objeto é neutro.
Depois que você adquire concentração, você pode usar esse treino em várias outras coisas.
E esses treinos para diminuir a falta de atenção podem ser considerados o mesmo que meditação?
Não, porque a meditação é necessariamente virtuosa. Com a concentração nem sempre é assim. Olhar para uma vela ou para uma paisagem não é meditação, porque esse é um objeto neutro.
Os budistas tentam treinar concentração e diminuir a falta de atenção em objetos virtuosos e saem ganhando, porque também acumulam méritos e carma positivo.
Ser uma pessoa ou um profissional multitarefa é uma característica muito valorizada atualmente. É possível manter a qualidade da concentração e diminuir a falta de atenção com várias atividades sendo feitas ao mesmo tempo?
É bem mais difícil. No entanto, uma pessoa que tem boa concentração consegue render mais. Qualquer coisa que ela esteja fazendo vai ser bem feita.
Para ser multitarefa é bom que se tenha boa concentração. É como, por exemplo, no templo. Há várias pessoas dedicadas a inúmeros serviços. Em cada um deles, nós esperamos que a pessoa esteja concentrada.
Vai pintar uma estátua, que tenha concentração. Vai podar a grama, que tenha concentração. Vai atender alguém ao telefone, que tenha concentração.
Às vezes acontece de dizermos: “o que você estava falando mesmo?”. Isso é pura falta de atenção. Por isso, é bom levantar esse tema.
No mundo todo não tem quase ninguém investindo em concentração. Ainda não caiu a ficha de que muita coisa pode dar errado por falta de atenção e concentração.
Nós precisamos ter gente que se interesse por isso. Agora, estão fazendo carro sem motorista e isso é uma boa notícia. Você controla a máquina mais facilmente do que controla a mente humana.
A nossa mente sempre está focada numa única coisa, mas como ela é muito rápida para trocar de um objeto para o outro, temos a falsa sensação de que estamos fazendo duas coisas ao mesmo tempo.
Por exemplo, nós estamos aqui conversando, mas podemos estar preocupados com o barulho do vento ou algo parecido, porque nossa mente rapidamente sai de um assunto e vai para o outro.
Outro exemplo, é que para dirigir bem, sem acidentes, claro que podemos estar dirigindo e conversando com alguém no carro ou ouvindo música, mas a atividade principal deve ser a direção.
Outras funções, como falar ao celular, degringolam a concentração. Você consegue falar com a pessoa que está ao seu lado e dirigir bem, mas ao falar ao celular as distrações aumentam muito e isso é perigoso. Estas são atividades que exigem mais nossa atenção.
Muitos profissionais do mercado de capitais estão usufruindo de ensinamentos budistas e de técnicas de meditação (mindfulness) para, ao diminuir a falta de atenção, atingir objetivos profissionais que nem sempre estão certos segundo os preceitos morais da doutrina. Como essa incongruência moral é vista por você e pelos monges em geral?
Todos nós precisamos de concentração. Tudo depende de concentração, mesmo os assuntos profissionais ou, genericamente falando, imediatistas. Por isso, é bom que as pessoas procurem treinar a concentração.
Nesse mercado profissional, de ações ou coisa parecida, as decisões tomadas pelos profissionais são muito importantes. Eles realmente devem investir em concentração.
Porém, nesse caso, a motivação normalmente é de ficar um profissional melhor. É inevitável então que eles adotem auxílio de profissionais, que eles treinem a concentração pura e simplesmente para fazer melhor as operações deles.
Nós, na atividade budista, priorizamos a concentração virtuosa. Ou seja, não só para ganhar dinheiro. Ou se é, você pode ganhar dinheiro exatamente para aplicar em virtude.
Nós tentamos treinar concentração em objetos virtuosos, tais como amor e compaixão. Toda meditação deve ter concentração, mas nem toda concentração é virtuosa.
Eu não vejo mal nenhum em treinar a concentração por meio da meditação. Quer dizer, eu gostaria muito que todos pudessem procurar profissionais mais habilitados e que entendam mais profundamente de concentração.
Na nossa tradição, os professores passam o tempo todo treinando, não importa o nível em que eles estejam. Por isso, sistematicamente estamos participando de cursos.
Esses profissionais de mercado treinam a concentração de forma temporária. Eles não estudam, apenas adquirem um conhecimento técnico superficial.
E quando, ao diminuir a falta de atenção, essa concentração não virtuosa é usada para algo mais mundano, como é o caso da concentração feita para trabalhar no mercado financeiro e ganhar mais dinheiro?
Essa seria uma concentração neutra. São interesses imediatos, para ter uma vida financeira melhor.
Há sim concentrações maléficas. É o que fazem os terroristas, por exemplo. Quando vemos essas notícias de que o mercado está interessado em treinar concentração é porque eles estão lidando com coisas muito importantes. Se eles se enganam os prejuízos podem ser nefastos.
Nós evitamos de ter opiniões contrárias. Cada um faz da sua vida o que quer. Deve ter gente por aí que está interessada em concentrações não virtuosas. Nós só sentimos compaixão pelas pessoas que não estão aproveitando essa oportunidade de evoluir usando a meditação.
Em cargos onde não há espaço para falta de atenção, como o de cirurgião, a concentração pode atingir níveis extremos. Até que ponto essa concentração excessiva pode ser prejudicial?
Quando um profissional necessita de uma alta concentração, o mais importante é a motivação. Um cirurgião plástico ou um neurocirurgião, por exemplo, que está operando uma pessoa, está com o bisturi na mão, ele necessita estar muito concentrado.
O que regula se é positivo ou negativo é a intenção dele. Se ele está bem concentrado para salvar pessoas e ele entende isso, é benéfico. Vai trazer um benefício, um carma positivo para ele. Mas existem casos em que só a boa intenção não evita os prejuízos.
Por exemplo, muitos maestros acabam doentes em razão da excessiva concentração, eles ficam com os ouvidos extremamente aguçados porque precisam ouvir todos os instrumentos da orquestra.
No dia a dia deles, qualquer pequeno ruído se torna algo exagerado. No geral, o ideal é que todos tivessem boa intenção em tudo que fizessem.
No caso do cirurgião, por exemplo, o cansaço mental pode produzir resultados ruins. Como lidar com o cansaço, nesses casos?
Quando se tem uma boa intenção, geralmente fica mais fácil de descansar ou de treinar a concentração. Se um cirurgião tem intenções muito mundanas, se ele só quer ganhar dinheiro, claro que poderá ter alguns problemas. Mas quando a concentração é vista como um benefício no que ele está fazendo para os outros, o resultado vai ser de coisas boas.
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