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Saúde

Como se define o que é doença mental

Manual que define o que é um comportamento patológico, reflete o espírito da época atual
Bruno Torres
06/05/15

Conhecido como “bíblia da psiquiatria”, o DSM é o manual no qual os psiquiatras padronizam quais comportamentos devem ser considerados doença mental, separando o normal do patológico.  Em 2013 foi lançada a quinta edição com mudanças significativas, principalmente no caso de crianças e de adultos usuários de drogas ilícitas e também das receitadas por médicos. DSM é a sigla para Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. No Brasil, é chamado de Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. A repercussão daquilo que é considerado doença pela Associação de Psiquiatria Americana afeta a vida de todos.

Oficialmente, o Brasil adota o CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde) para classificar o que é patológico. Na prática, é o DSM que os médicos psiquiatras utilizam como referencial. A definição dos pesquisadores médicos sobre quais comportamentos devem ser classificados como doença é baseado em estatísticas e relatos clínicos, além de critérios culturais. O homossexualismo foi retirado do manual em 1974. Com a nova edição do DSM, ampliam-se os critérios para distúrbios alimentares, claro reflexo das observações do dia a dia de todos nós. Cada edição conversa com a cultura de seu tempo.

Distúrbio bipolar na criança

Na edição atual do DSM, o diagnóstico de distúrbio bipolar será estendido à infância, decisão que influencia tanto a vida escolar como a familiar. Professores poderão solicitar avaliação psiquiátrica das crianças que alternam momentos de alegria e tristeza e, se o psiquiatra avaliar o comportamento como compatível com a bipolaridade, provavelmente o olhar sobre este menino ou menina será alterado.

Não se trata de discordar ou não dos novos critérios, mas sim refletir sobre a amplitude da nova normatização. De um ano para outro, o que era normal passa a ser visto como doença. Em um caso extremo, a partir de agora a mãe pode solicitar o afastamento remunerado do trabalho para cuidar do filho cujo comportamento, em 2012, não era classificado como doença. A mesma mudança obriga planos de saúde e o Sistema Único de Saúde (SUS) a fornecerem tratamento adequado.

No mundo do trabalho

O caso do uso de álcool é ainda mais exemplar. É comum juízes reverterem a demissão por justa causa de empregados que se apresentaram embriagados em serviço caso fique diagnosticado por um médico que o funcionário é alcoolista. Até 1994 o empregador não perderia a causa. Foi só no DSM –IV, lançado no mesmo ano, que ficou definida a doença alcoolismo. O mesmo raciocínio vale para fumantes. O SUS só fornece remédios e tratamento dado que fumar pode ser considerado, pelos médicos, tabagismo, uma doença.

Na justiça comum

Ainda no campo judiciário, é ao Manual de Classificação de Doenças padronizado pelos médicos que advogados recorrem para pedir redução ou mesmo inocência de seus clientes. Se depressão pós-parto não estivesse inclusa no manual, fato que ocorreu em 1952, muitas mães não seriam absolvidas pelos atos de fúria contra seus recém-nascidos. Pior, nem tampouco tratadas para que pudessem ter outra chance de viver a maternidade.

Na indústria farmacêutica

Teoricamente, quanto mais doenças catalogadas, maior o número de medicamentos os laboratórios colocam no mercado e mais lucram. Porém, a reflexão séria vai além do tom maniqueísta. A admissão do distúrbio bipolar à infância abre caminho para indústria desenvolver remédios psicoativos para menores, o que é controverso mesmo entre psiquiatras. Por outro lado, é graças à ciência desenvolvida por grandes empresas farmacêuticas que parte das pessoas com doenças antes incapacitantes como a bipolaridade, a esquizofrenia e a depressão conseguem levar uma vida normal, com seus diagnósticos só partilhados entre médicos e familiares.

Prós e contras da classificação de uma nova doença

Por fim, quando o grupo gestor do DSM concorda em agrupar sintomas que costumam aparecer juntos em pessoas diferentes e nomeá-los, além de criar uma doença nova, cria-se espaço para que se inicie a corrida por medicações, abrindo a possibilidade de alívio do sofrimento de muita gente e do amparo destes nos sistemas de saúde. Neste processo, estimula-se a implantação de políticas públicas focadas em saúde mental e, algum tempo depois, o judiciário terá de opinar sobre a novidade.

Do outro lado, há o risco do estigma aos que passam a ser considerados portadores de transtorno mental, do lançamento de tratamentos com eficácia duvidosa e custo alto e da psiquiatrização de pessoas antes “normais”.

Tirando as vacinas obrigatórias e o exame pré-natal para grávidas, o DSM é a norma médica que mais afeta o cotidiano de todos nós. Sempre haverá dilema. Refletir bem, entretanto, significa incluir cultura, sociedade, medicina e sujeito no espectro. As doenças não nascem do vácuo, mas sim do espírito de cada época.

Flickr: sorenrajcyk; Micheal Saisi /  Flickr: Anxiety left / CC BY-SA 2.0


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