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Saúde

De onde vem a birra das crianças?

Para Melanie Klein, a passividade pode sinalizar a existência de problemas no desenvolvimento
Bruno Torres
29/07/15

Quem convive com crianças sabe que nem sempre se comportam como anjinhos. Manifestações de ódio, de repulsa, atos de violência, hostilidade, inclusive contra os próprios pais, são comuns. Quando isto é normal e quais são os sinais de que algo pode estar errado é uma questão para muitos pais, psicólogos, professores.

A psicanalista austríaca Melanie Klein (1882 - 1960) desenvolveu uma teoria própria para explicar o “campo de batalha” que é a cabeça dos bebês até chegarem à maturidade emocional. Para começar, um desenvolvimento infantil normal tem no enredo a lista de birras, que vão do banho ao comer, bater pernas e braços contra o ar como que se digladiando com um perseguidor imaginário. Desse roteiro também fazem parte rejeições aos cuidadores e irmãozinhos, fases de depressão e também a sensação de paz e serenidade trazidas pelo aconchego materno.

Anjinho?

O conflito é o que configura, para a criança, o caminho da maturidade, enquanto a passividade pode ser um sinal da existência de problemas. Uma criança que não faz birra, que sempre come tudo o que lhe é oferecido e que sempre se mostra amorosa até pode ser o sonho de seus pais, mas pode estar passando por um pesadelo interior que conduzirá a consequências patológicas no futuro. São essas crianças que precisam de cuidado, não as birrentas.

O anjinho pode ser uma máscara social que cobre um estado interior fragmentado. Segundo Melanie Klein, a criança que se encaixa no tipo anjinho pode ter criado um falso self (eu) para conseguir alguma acolhida.

Acolhimento

Na visão kleiniana do desenvolvimento emocional infantil, a organização emocional se inicia ao nascer. Em sua teoria, os recém-nascidos não percebem a mãe como um ser único, mas sim dividido entre “seio bom” e “seio mau”.

Por seio, lê-se mãe e ambiente. Quando estes trazem conforto, carinho, segurança, a criança dá crédito para o seio bom, segundo Klein. Na hora em que fome aperta, durante uma cólica, dor, uma fralda molhada e mesmo sensações de frio, na fantasia infantil a responsabilidade é atribuída ao seio mau. É para essa parte “ruim” que o bebê direciona agressividade. É ela que ele quer destruir.

Por ter odiado, ainda na mesma fantasia, teme que exista retaliação. Daí Klein ter classificado este primeiro sistema de relação com o mundo como posição esquizoparanoide. Dito de outra forma, na teoria kleiniana o início da vida se caracteriza pela percepção da mãe como alguém dividido - daí o “esquizo”- e pela fantasia de ser punido pelo objeto que odiou: o seio mau, origem da denominação paranoide.

O objetivo do cuidador é não permitir que a parte má se sobreponha à boa. Para isso, ele deve apresentar o seio bom através de gestos: acudir o choro da criança no tempo adequado, alimentá-la em horários regulares, estabelecer rotinas. Os seguidores de Melanie Klein acreditam que psicoses adultas graves guardam relação com problemas relacionados aos primeiros meses de vida.

Criança de um ano anda em um tapete aos mesmo tempo que brinca de mastigar um bichinho de borracha

Para a maioria das crianças, o seio bom prevalece e é internalizado como uma base emocional segura frente às ameaças da vida. Isto colabora também para aceitação dos impulsos agressivos e dos ódios que acompanham a vida emocional por toda a vida.

A maior parte das birras, inclusive as mais estridentes, é incompreensível para a própria criança. A busca de aconchego e colo depois da bronca representa, segundo Klein, um retorno ao seio bom. É a confirmação da existência deste, um sinal de equilíbrio psíquico. Se isto ocorre, a criança aprendeu que a mãe é um objeto único, passível de ser amado e, por vezes, odiado.  A brincadeira do “bem-me-quer, malmequer” é forma lúdica de simbolizar os conflitos da posição equizoparanoide.

Mudança de cenário

Logo depois da fase do desmame, a criança passa a reconhecer as pessoas como seres totais e diferenciados uns dos outros. É um período fácil de ser percebido pela família. A mãe, primeiramente, e depois pai, irmãos e todas as pessoas da casa são considerados pelo bebê como portos seguros. Ele estranha quem está fora de seu cotidiano. Por essa mesma época, chora diante da presença de estranhos.

Para os kleinianos, estes são comportamentos que evidenciam a superação da fase esquizo-paranóide. Os bebês tendem a ficar mais brincalhões e a tolerar desconfortos por mais tempo.

Concluída a briga entre bem e mal, inicia-se, para Klein, a chamada posição depressiva. Agora, seio bom e seio ruim foram internalizados pela criança como objeto único - a mãe é inteira, não mais dividida. Na fantasia infantil, de acordo com a teoria de Melanie Klein, há uma compreensão sofrida de ter danificado o objeto amado e daí vem a culpa.

Para aplacar a culpa, a criança acha necessário uma reparação. A posição depressiva começa aí. É marcada pelo medo da perda do objeto de amor outrora atacado.

Ciúme

Outro resultado que a criança mostra por conceber as pessoas como seres inteiros é perceber que a mãe tem vida própria, amigos, um tempo dedicado para o pai. Uma vez que o bebê percebe-se ainda totalmente dependente, entra em cena o desamparo na constelação de sentimentos da infância e, a reboque, o ciúme.

O campo de batalha da fantasia mental da criança aqui tem foco no reparo dos ferimentos que ela julga ter causado nos objetos amados e internalizados, ou seja, também nela mesma. São conflitos fundamentais para a formação do caráter e da relação com o outro. Para o bebê, sai de cena o mundo mágico dividido entre bem e mal e começa uma percepção da vida como ela é.

Vale ressaltar que o conceito kleiniano de “posição depressiva” não é o mesmo que depressão, uma doença psiquiátrica. Pelo contrário, ela faz parte de um percurso no amadurecimento da criança. É fundamental na formação moral do adulto.

Depois da bronca

Quem já presenciou uma criança ”ajudando” voluntariamente a mãe após receber uma bronca testemunhou uma típica tentativa de resolução de um conflito da “posição depressiva”. O pedido de desculpas não hipócrita também guarda relação com esta etapa da batalha mental infantil.

À luz desta teoria, falhas nesta segunda fase do amadurecimento raramente causam distúrbios graves. Em geral, resultam em neuroses e alterações de comportamento que não chegam a comprometer o cotidiano adulto.

Para as crianças, a agressividade faz parte do processo de maturidade. O sinal de alerta pode ser acionado quando as cenas de violência superarem aquelas observadas em outras crianças da mesma faixa etária. Da mesma forma, bondade em excesso não condiz com o que se espera de um amadurecimento psíquico equilibrado.

A questão, para Melanie Klein, não está nos impulsos destrutivos ou amorosos das crianças, mas na forma como eles se manifestam. Um bebê pode odiar a mãe em um momento e em outro, dormir como um anjinho. 

Foto: Thinkstock


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