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Saúde Mental

Os mitos da hiperatividade infantil

Vendas mundiais do medicamento usado para tratar a doença cresceram nos últimos dez anos
Bruno Torres
12/01/15

A medicação infantil é assunto amplo e controverso que começa no útero a partir das recomendações feitas às gestantes para ingestão de ácido fólico, cujo beneficiário direto será a criança. Passa pelas vitaminas e vacinas infantis e tem seu ponto mais polêmico no uso de psicotrópicos, medicações que atuam no cérebro ainda em formação dos pequenos. O mais utilizado ultimamente é o metilfenidato, um derivado da anfetamina indicado para tratar o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).

Medicar crianças é assunto polêmico, inclusive entre os próprios médicos, mais ainda quando se trata de remédios psiquiátricos. As vendas do metilfenidato dispararam nos últimos dez anos, no mundo e no Brasil. Por aqui, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 2009 a 2011 houve um aumento de 75% no uso da substância por crianças de 6 a 16 anos. Incluindo 2012 na conta, é possível dizer que o uso do estimulante dobrou em um período de apenas quatro anos.

Diagnósticos equivocados

Será que estamos em meio a uma epidemia de hiperatividade? A suspeita é que não haja um aumento de casos, mas sim de diagnósticos equivocados e de prescrições evitáveis. Especialistas estimam que 75% das crianças medicadas foram erroneamente diagnosticadas, embora a conduta mais segura, antes de qualquer receituário, seja encaminhar a criança com suspeita de TDAH para avaliação psicológica. Crianças que usam metilfenidato sem necessidade podem ter os sofrimentos que as levaram a procurar atendimento agravados. Afinal de contas, o remédio é estimulante.

Psicólogos sabem que a escuta é excelente apaziguador para ansiedade. E há várias formas de se ouvir alguém. Crianças demoram a desenvolver aparato linguístico suficiente para expressar seus sentimentos. Nas brincadeiras é que suas angústias se manifestarão: elas falam por meio de personagens, projetam o que sentem nos brinquedos. Logo, brincar significa ouvi-las.

Sem dispor de tempo para bricnar com um filho, ou seja, escutá-los, os pais dificilmente criarão espaço para diálogo. Ilude-se quem acha que um médico em uma consulta terá respostas seguras. Psicodiagnóstico sério não é feito em apenas um encontro, envolve testes, escuta da família, avaliação das condições escolares e, principalmente, envolvimento afetivo da criança com o terapeuta. Em outras palavras, interação com a realidade do pequeno.

Winnicott, um psicanalista infantil, fez isto. Escutou as crianças a partir dos recursos infantis de expressão. Usou do tempo e do brincar para que a criança pudesse lidar com seus sofrimentos. Sua metodologia, desenvolvida a partir dos anos 1930, permanece como referência.

Os pais, naturalmente, levam as crianças ao médico em busca do melhor para seus filhos. Saber diagnosticar é responsabilidade de quem se propõe a cuidar da saúde mental de crianças. A julgar pelos números dos próprios especialistas, os médicos deveriam questionar seus próprios parâmetros.

Quem faz o certo

Em geral, são justamente os psiquiatras infantis os que menos prescrevem medicação, pois defendem que psicoterapia individual ou familiar, avaliação do ambiente escolar, esporte, entre outras medidas, podem diminuir a ansiedade e aumentar a capacidade de concentração das crianças. Psicotrópico só vale em último caso - e sempre acompanhado de um processo psicoterapêutico com envolvimento dos pais.

O recurso medicamentoso é válido, inclusive para adultos. Grave é quando profissionais não treinados em saúde mental infantil e na realidade das novas gerações elaboram diagnósticos equivocados, para alegria de laboratórios e farmácias.

O papel das escolas

É na escola que as suspeitas de hiperatividade mais ocorrem. O procedimento padrão é comunicar aos pais para que procurem avaliação do aluno. E a escola? Será mesmo que uma criança de 7 anos que não permanece 50 minutos sentada em uma carteira é doente?

Parece que estamos diante de uma contradição educacional. De um lado incluem-se crianças especiais com comprometimento cognitivo sério, como as que sofrem de autismo ou síndrome de Down, nas salas de aula comuns. Na outra ponta, aqueles que não se comportam como a maioria “normal” são enviados ao médico ou psicólogo para classificação.

Formam-se dois grupos: os normais e os especiais - que tomam remédio. Daí para criar um estigma em torno deste segundo grupo é um passo. Há o risco desta criança transformar-se perante aos colegas no “hiperativo” ou receber outros apelidos dados a quem se trata de doenças mentais. O erro de diagnóstico pode afastar o aluno do convívio normal com seus pares.

A reflexão que surge é: que perfil de aluno as escolas querem? Há alguma estratégia das escolas para preservar a criança do estigma, da separação do grupo dos “normais”? E se a causa do comportamento indesejado estiver justamente no ambiente escolar?

Quando há suspeita de algum distúrbio emocional na criança, recomenda-se consultar um especialista em saúde mental infantil ou um psicopedagogo. Além da hiperatividade, há outros exemplos de sofrimentos mentais para os quais há práticas comprovadamente eficazes e que dispensam ou reduzem a necessidade do uso de medicação: insônia, ansiedade, enurese noturna (xixi na cama), compulsão alimentar, obesidade, depressão leve ou moderada e fobias.

Críticas

Há excessos de ambos os lados. Alguns dos laboratórios tentam influenciar o campo médico em benefício de seus produtos, patrocinando pesquisas, viagens dos médicos e com ajuda financeira a grupos de apoio aos doentes. A Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), grupo de apoio a pacientes com hiperatividade, por exemplo, tem entre seus patrocinadores grandes laboratórios multinacionais.

Nem sempre os críticos acertam. É comum generalizarem os psiquiatras como classe sem ética a serviço das teses dos fabricantes de medicamentos. Há profissionais realmente preparados e preocupados com as crianças, que só as medicam em último caso e que contestam seus pares através de publicações científicas.

Erros comuns e alternativas

Escutar os pequenos dentro do universo deles, como fazem os psicólogos, pode substituir com eficácia as medicações psicotrópicas, comprovadamente úteis nos casos mais graves, porém prescritas muitas vezes em excesso e sem critérios por médicos não especialistas em psiquiatria infantil.

Preencher a maior parte das horas vagas das crianças com atividades como natação, inglês, judô, entre outras, pode comprometer a qualidade da infância. A escola geralmente já apresenta uma grande demanda. As atividades extracurriculares não devem comprometer o tempo que a criança tem para brincar.

Ser criança inclui poder brincar, fantasiar e ter respeitados seus limites físicos e mentais. Os pequenos não têm a capacidade dos adultos em lidar com ambientes disfuncionais. Se há alguma suspeita de comportamento hiperativo, recomenda-se procurar um especialista. Só psiquiatras infantis sabem medicar seguramente.

Os psicólogos winnicottianos têm avançado no tratamento do TDAH. Consideram que falhas no ambiente infantil impediram a criança de desenvolver a chamada "pele psíquica", uma estrutura interna capaz de apaziguá-la quando o desejo de satisfação imediata não pode ser satisfeito.

Na ausência desta estrutura interna, a impulsividade toma conta. A função do terapeuta é manejar o tempo e o ambiente das consultas para que a criança possa criar um pensamento que dê limite à sua própria impulsividade.

Foto: Thinkstockphotos


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