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Mobilização nacional indígena luta contra a aprovação da PEC 215

A emenda retira a autonomia da Funai na demarcação dos territórios indígenas e a transfere para o Legislativo
Bruno Torres
15/09/15

Na contramão da luta pela preservação ambiental, a bancada dos deputados federais do Congresso Nacional retomou, em janeiro desse ano, a pauta da PEC 215/2000 (Proposta de Emenda à Constituição). Arquivada em dezembro de 2014, a emenda retira a autonomia da Funai (Fundação Nacional do Índio) na demarcação dos territórios indígenas no Brasil e a transfere para o Poder Legislativo.

“Essa PEC é um desastre. Representa um retrocesso para as comunidades indígenas e vai praticamente inviabilizar as novas demarcações, que já estão muito difíceis nos últimos tempos”, afirma Felipe Bogado, procurador do Ministério Público Federal (MPF). O conteúdo do texto legal pode prejudicar a demarcação dos territórios e a manutenção da biodiversidade nacional em meio a um cenário que já apresenta lentidão e interrupções no processo. A decisão prejudica diretamente os povos que habitam historicamente em áreas que são hoje de preservação.

“Para nós indígenas, o projeto representa a destruição das nossas populações. Se for aprovada, irá acabar com as reservas naturais, com nossa cultura e nossa sobrevivência, porque o que nos faz sobreviver é a natureza”, conta Ivanildes Pereira da Silva Kerexu, coordenadora da associação dos moradores da comunidade guarani mbyá de Paraty. Kerexu, que é também uma das lideranças da comunidade, evidenciou durante os debates do Encontro de Justiça Socioambiental da Bocaina a necessidade da mobilização nacional para conter a aprovação do projeto.

“O MPF repudia essa PEC e nós ficamos felizes ao ver a mobilização que a sociedade civil e os movimentos sociais estão promovendo para combatê-la”, diz Bogado. O procurador esclarece que a emenda pretende colocar outros atores para determinar as demarcações, o que representaria um grande retrocesso de direitos. “Nós esperamos que ela seja barrada e que a presidenta Dilma Rousseff faça valer o discurso de que nenhum passo para trás será dado com relação aos direitos já assegurados e garantidos”, completa.

Retrocesso social e ambiental

“As unidades de conservação mais bem preservadas do país são as terras indígenas”, destaca Renato Bock, coordenador de projetos do Centro de Trabalho Indigenista (CTI) de Brasília. O especialista ressalta a necessidade urgente dos movimentos de preservação ambiental fortalecerem a luta dos povos indígenas, fato que ele não tem observado dentro das lutas e ações dos últimos meses. “Hoje, cabe à Funai o papel de estudar a demarcação. Posteriormente, esse trâmite passa pelo Ministro da Justiça, que a encaminha à presidenta para homologação do território. A PEC propõe retirar a competência de demarcação do Poder Executivo e direcioná-la ao Congresso”, explica Bock. O especialista alerta que a emenda transfere também a responsibilidade das unidades de conservação (UC) ao Poder Legislativo, o que pode aumentar mais ainda o desmatamento e a devastação das poucas áreas conservadas no Brasil.

“Alterar a legislação de forma a flexibilizar o desmatamento significa alterar a vida das pessoas que vivem nas cidades do Sul e do Sudeste. A produção de alimentos, de energia e água são influenciadas pelos eventos climáticos relacionados diretamente com manutenção das florestas, e as mais importantes e preservadas encontram-se nas terras indígenas”, destaca Hélcio Souza, antropólogo, agrônomo e coordenador da estratégia de conservação em terras indígenas da ONG The Nature Conservancy (TNC).

“É muito importante entender que as mudanças climáticas que têm ocasionado insegurança hídrica nas grandes capitais brasileiras se relacionam diretamente com o desmatamento da Amazônia e do Cerrado. Além disso, preservar essas áreas representa também garantir um ambiente saudável, com segurança alimentar e pleno de recursos para a população brasileira. As terras indígenas atuam como verdadeiras barreiras de proteção ao desmatamento”, pontua Souza sobre a urgência de conter a aprovação da emenda.

A prova de que as áreas onde vivem povos indígenas são inclusive mais preservadas do que aquelas administradas por órgãos governamentais foi apresentada em uma pesquisa feita pelo Imazon com dados da Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD). De acordo o estudo, em junho de 2014, 59% do desmatamento ocorreu em áreas privadas ou em estágios de posse. Do restante, 27% foi registrado como unidade de conservação, 13% em assentamentos de reforma agrária e apenas 1% em terras indígenas.

Uma medida inconstitucional

O artigo 231 da Constituição Federal reconhece aos povos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Ficaram estabelecidos também os direitos originários sobre as terras em que vivem e delegou-se ao governo a obrigação de demarcá-las e protegê-las. Contudo, as ações do governo federal nos últimos anos foram mínimas. O agronegócio e a construção de usinas hidrelétricas tomaram conta de territórios até então conservados, o que tem colocado em risco a vida de comunidades inteiras.

"Demarcar as terras indígenas é um direito que está na Constituição e não pode ser alterado", pontua Souza. Ele analisa a emenda como um sinal negativo com relação aos direitos indígenas e acredita que, caso seja aprovada, pode-se criar uma situação que prejudicará toda a sociedade. "Estamos falando de direitos humanos e essa situação é um retrocesso com os direitos fundamentais dos povos indígenas", finaliza o especialista.

Mobilização Nacional Indígena

Para protestar contra a emenda, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (ABIP) organizou entre os dias 13 e 16 de abril, em Brasília, o 11º Acampamento Terra Livre. A mobilização reuniu mais de 1.500 pessoas de comunidades de todas as regiões do Brasil. Lideranças, famílias, jovens, crianças e integrantes de outros movimentos sociais marcaram presença em uma manifestação pacífica que teve como foco chamar a atenção da presidenta Dilma Rousseff e da mídia para o retrocesso representado pela PEC.

Durante os dias de acampamento, as lideranças presentes entregaram a carta política do 11º Acampamento Terra Livre (ATL) ao presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O documento apresentou a posição dos povos indígenas brasileiros contra a proposta de emenda. No dia 16 de abril, durante uma solenidade em homenagem ao Dia do Índio, parte dos indígenas do acampamento entraram na sessão solene da Câmara para demonstrar a indignação com a atual situação das comunidades em todo o país. A página de internet da Mobilização Nacional Indígena fornece informações atualizadas diariamente sobre as atividades relacionadas à tramitação da PEC organizadas nas diversas regiões do país.

Foto 2: Alexandre Almeida/Janela Aberta Filmes

Foto 4: Arquivo Pessoal/Helcio Souza

Fotos 3 e 5: Jardiel Carvalho/R.U.A Foto Coletivo


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