Quem passa pela badalada Rua Augusta ou pela sempre movimentada Avenida Nove de Julho nem imagina que embaixo de tanto asfalto e concreto existem rios. Os corpos de água escondidos se repetem por toda a cidade de São Paulo. Até a década de 1970, a capital paulista era cheia de córregos e rios correndo a céu aberto. O rápido desenvolvimento urbano produziu também inúmeras galerias de água e boa parte da natureza foi camuflada por uma camada cinza.
“Quando eu era criança, nós andávamos a cavalo nas várzeas do Rio Pinheiros e nadávamos em um pequeno lago onde hoje é a Avenida Juscelino Kubitscheck”, relata o publicitário Antonio Rosa, que passou a infância e juventude na região da Vila Olímpia, hoje ocupada por imensos prédios comerciais.
O símbolo paulistano Viaduto do Chá encobre o Vale do Anhagabaú e o rio de mesmo nome
A relação dos paulistanos com os rios já foi muito mais viva e próxima. No entanto, com o passar dos anos e todo o crescimento da cidade, a população foi privada desse benefício. As ruas e avenidas tornam os rios invisíveis. “Nós fomos treinados para não vê-los”, explica o geógrafo e co-criador da iniciativa Rios e Ruas, Luiz de Campos Júnior.
O arquiteto e urbanista José Bueno, que ele conheceu há quatro anos, também sentiu a necessidade de mostrar às pessoas que a metrópole é muito mais do que se possa enxergar. Assim surgiu o projeto Rios e Ruas. “A água está ligada aos nossos instintos”, explica Campos Jr. Para ele, basta um pouco mais de atenção e qualquer pessoa pode encontrar um rio na cidade.
A Avenida Nove de Julho também esconde um rio embaixo da camada de asfalto
A iniciativa promove passeios para conectar novamente a população aos mananciais. “Quando a pessoa participa de uma expedição do Rios e Ruas, ela sai de lá especialista em encontrar rios”, garante o geógrafo. Segundo ele, existem alguns detalhes que ajudam a identificar a presença de um corpo de água. Áreas frescas e úmidas e a presença de vegetação mais vistosa são apenas alguns dos indícios naturais. Ele exalta também o fato de que, não importa o quanto a cidade seja modificada, o relevo não muda e os rios continuam lá.
É possível encontrar rios em todas as regiões de São Paulo. Para quem não pode participar das expedições, uma boa oportunidade é consultar o mapa feito pelo movimento Ecohack. A ferramenta mostra onde estão todos os rios escondidos em São Paulo por meio de informações seguras e obtidas com base em estudos feitos por órgãos ligados à prefeitura de São Paulo.
Se o mapa está marcado com uma linha azul, é sinal de que a área possui um rio, mesmo que ele esteja sob uma galeria de concreto. Campos Jr. explica que em alguns locais, como a região entre a Rua Frei Caneca e a Avenida Nove de Julho, no centro da cidade, é possível ouvir a água correndo, mesmo que existam grandes vias passando por cima.
Para tornar mais fácil essa identificação existe um projeto de lei que propõe tornar obrigatório o uso de placas nos locais por onde passam os rios. A sugestão é do vereador Ricardo Young do PPS (Partido Popular Socialista) e determina a inclusão do nome das bacias hidrográficas nas placas denominativas das vias públicas em que estão situadas.
“Isso também permitirá que a população conheça mais profundamente a história de nossa cidade, se aproprie do bem público e, sobretudo, se conscientize sobre sua responsabilidade em relação à preservação de nossos recursos naturais”, diz a justificativa do projeto de lei.
O texto ainda exalta a necessidade urgente de uma “reflexão sobre a relação da população com as águas da cidade” e lembra que “é de competência municipal propiciar recursos e serviços para garantir melhor qualidade de vida aos seus cidadãos”.
O geógrafo Luiz de Campos Júnior acredita que sim e, segundo ele, isso já aconteceu em vários locais da cidade. Durante décadas, o Córrego Pirarungáua, que passa dentro do Jardim Botânico de São Paulo, foi canalizado. Em 2008, o afluente do Riacho do Ipiranga voltou a correr a céu aberto e hoje é uma das principais atrações turísticas do parque paulistano. Além de água limpa, as margens receberam espécies nativas da Mata Atlântica. O local tornou-se um refúgio para quem quer desfrutar das belezas naturais. Campos Jr. garante que o mesmo poderia ser feito em outros rios, até mesmo naqueles que passam pelo centro da cidade.
Crianças desfrutam do Córrego Pirarungáua, que voltou a correr a céu aberto em 2008
A importância do Pirarungáua hoje é parecida com a que o Córrego do Sapateiro e o Rio Pinheiros tiveram na infância do publicitário Antonio Rosa. “Eu andava de barco no Rio Pinheiros. Toda a relação que eu tive com a natureza quando criança fica na memória. Eu passava horas olhando o rio. Hoje vamos olhar o que? O asfalto?”, questiona.
Foto 1: Gabriel Fernandes / Wikimedia Commons / CC BY-SA 3.0
Foto 2: Felipe Mostarda / Wikimedia Commons / CC BY-SA 3.0
Foto 3: José Jorge – Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo
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