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Cinema de rua: livre e gratuito

Contra a lógica das salas de exibição, mineiro cria projeto que organiza sessões de curta-metragens no centro de SP
Bruno Torres
27/09/19

O cinema ainda é para poucos. O preço da maioria das salas de exibição, a questão geográfica de concentração de cinemas em poucos lugares da cidade e o excesso de questões técnicas em algumas mostras afastam grande parte da população das telonas. Pensando em confrontar essa realidade e democratizar o acesso aos filmes, o mineiro Luiz Henrique Leocádio criou o projeto Filmsystem (Filmesistema), que organiza projeções de curta-metragens em fachadas de prédios e construções. Poltronas ou cadeiras não são necessárias, o público fica na rua, na praça ou na calçada. A ideia é essa: propor um novo relacionamento entre o espectador e o produto audiovisual.

No mês de março, o Filmesistema foi aprovado no edital Redes e Ruas e terá uma programação especial na cidade de São Paulo durante o ano de 2015. Em entrevista exclusiva ao Portal NAMU, Leocádio explica mais sobre o projeto, critica a mercantilização do cinema nacional e fala sobre a distribuição gratuita de alguns dos filmes que serão exibidos nas ruas.

Portal NAMU: Como surgiu a ideia de projetar filmes na rua?

Leocádio: O Filmesistema começou com uma inquietação minha quando eu era estudante de cinema da Faculdade de Artes do Paraná. No final do curso, não me sentia muito feliz com o que eu via na produção e no meio cinematográfico. Então, comecei a pesquisar alternativas para me relacionar com o cinema. Nessa pesquisa, eu identifiquei que era na distribuição e na exibição que estava grande parte do meu desconforto. Pensando sobre isso, um dia eu tive um estalo de que o cinema é uma arte que pode estar na rua e, como a rua é um ambiente seguro e natural para mim, eu pensei: “acho que é aí que está o mapa da mina”.

Foi então que surgiu a ideia de fazer uma projeção na rua. A primeira sessão foi na apresentação do meu trabalho de conclusão de curso. Contei aos professores que eu iria apresentar meu trabalho em uma esquina de Curitiba e que eu gostaria que a banca fosse em um boteco e não dentro da faculdade. Na hora, alguns não gostaram muito, mas todos foram. Foi assim que começou o Filmesistema em 2013.

Como você definiria o seu trabalho?

As pessoas confundem o que eu faço com vídeo map e vj, mas eu acho que não é isso. O meu trabalho está mais na proposição de um novo relacionamento do espectador com o produto audiovisual e em investigar novas maneiras desse relacionamento acontecer. Os filmes não são meus. Eu brinco que sou só um homem com um projetor na mão.

De que modo o Filmesistema pretende quebrar a lógica das salas de cinema?

Nunca me senti confortável dentro de um shopping e ainda de ter de pagar R$30 para ver um filme. Também não me sinto bem em festivais de cinema. Apesar de frequentar alguns, eu nunca me senti confortável dentro desse excesso de intelectualidade. Para mim o cinema sempre foi muito simples. É entretenimento popular. É assim que ele nasceu e é assim que na minha cabeça ele deveria continuar. O cinema hoje está medíocre. O Filmesistema vem para jogar contra isso e levar cultura para o povo que não pode pagar R$30 e também não se sente confortável falando sobre o plano sequência de 15 minutos.

Hoje em dia há produções mais autorais. Por exemplo, alguns filmes de diretores pernambucanos. Você vê com otimismo essa nova produção nacional?

Com certeza. No âmbito da realização, o Brasil é riquíssimo. Pernambuco é o maior exemplo. É o Estado que mais investe em cultura no país e isso reflete na produção. Eu vejo com muito otimismo. Estão sendo feitas coisas maravilhosas em Pernambuco e em Belo Horizonte. Lá, também tem um núcleo legal de produção.

A minha inquietação é a seguinte: essa realização não é absorvida como deveria pelas salas de cinema. Mesmo em uma cidade como São Paulo, é possível enumerar rapidamente a quantidade de salas que exibiriam esses filmes. E na maioria das vezes, por pouco tempo. Porque mesmo esse circuito de arte, geralmente, tem um rabo preso com o rendimento. Nós estamos presos a um cinema meio senhor de engenho que é o dono do meio de produção.

O Filmesistema foi aprovado no edital Redes e Ruas e escolheu lugares do centro de São Paulo para fazer as projeções. Por que o centro?

Eu acho o centro de São Paulo maravilhoso e eu já realizei algumas sessões lá no ano passado. Fizemos projeções em uma ocupação que tinha na Rua Ouvidor e também na passagem subterrânea da Consolação. São Paulo passa por um momento incrível com o prefeito Fernando Haddad (PT), o novo Plano Diretor e uma ansiedade e uma necessidade do centro reviver. Existe vida no centro, mas alguns lugares ainda são um pouco deprimentes. O centro é transitável de dia, mas a noite nem todos os lugares são e eu preciso que esteja noite para eu projetar os filmes. A escolha do centro vem muito para tentar trazer luz e “transitalidade” para essa região.  Além do edital Redes e Ruas, exigir que fosse escolhido uma macrorregião da cidade. Dentre as opções eu preferi o centro, porque permite dialogar com todas as macrorregiões de alguma forma.

E dentro do centro, você elegeu quatro lugares específicos. Quais são eles?

Para o edital, nós tínhamos que escolher praças com wi-fi livre. Nós fizemos um mapeamento e reconhecemos cerca de 20 praças. Dentre essas, escolhi as que tinham maior potencial dentro do projeto. Eu selecionei quatro que são as mais emblemáticas: Praça Roosevelt, Largo do Arouche, Pátio do Colégio e Praça Dom José Gaspar. Acho que todos esses espaços tem uma importância na história da cidade de São Paulo e são locais que têm públicos específicos. Na Roosevelt, por exemplo, há a molecada andando de skate, tem o pessoal do teatro e por lá já existia uma cultura artística mesmo antes da revitalização da praça. É um lugar muito efervescente. O Largo do Arouche é característico pelo público LGBTTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) e a gente já tinha uma parceria com o cineclube 7 cores de lá. Nós vamos levar uma curadoria específica para dialogar com esse lugar. A Praça Dom José Gaspar é onde tem o Paribar e tem um fluxo muito grande de pessoas. Ali, é um lugar que posso levar um cinema nacional de curta-metragens mais popular.

O Pátio do Colégio é um lugar com menos movimento à noite e de acesso mais difícil. Como você vai fazer?

Ali é tenso. Talvez seja o nosso maior desafio, mas ao mesmo tempo, eu acho que é o lugar que dá mais possibilidades. Nós escolhemos esse lugar justamente porque há muita coisa no entorno. Além do Pátio do Colégio, há o Solar da Marquesa de Santos e o Beco do Pinto que foi reaberto recentemente. O Pátio do Colégio vai servir justamente para questionar essa identidade da cidade de São Paulo e resgatar a vida efervescente que o centro tinha nas décadas de 1940 e 1950. Ali é um grande xodó do projeto. Nós queremos fazer um evento grande. Levar o cinema como pretexto para levar também outras manifestações culturais como uma roda de samba, por exemplo. Lá é tenso, mas nós estamos aí para incentivar que não seja tão tenso assim.

E a outra ação que você estão organizando com cartazes que permitem o download gratuito de filmes? Conta um pouco sobre ela.

O cartaz vem como uma reiteração dessa vontade de dialogar com a arte de rua. Uma época que me inspira muito é a década de 1920, em razão das vanguardas modernistas nas quais o uso do cartaz era forte. Foi uma primeira apropriação dos anteparos urbanos. Eu peguei essa referência e trouxe com o lambe-lambe que é a arte de rua de agora. Para o edital eu precisava articular as projeções com as praças de wi-fi livre. Então, eu pensei: por que não ir além de exibir filmes e também distribuí-los? Eu uso o cartaz lambe-lambe para promover um novo tipo de distribuição cinematográfica. Coloco o QR code dos filmes que projeto para que as pessoas se utilizem do wi-fi livre e consigam fazer o download desse material.

Foi feita alguma parceria com os produtores dos filmes para poder disponibiliza-los gratuitamente?

Os filmes que estão no lambe-lambe são aqueles que já estão disponíveis na internet. Eu entro em contato com os realizadores, explico o caráter do projeto e convido-os a participar. Alguns querem participar só da exibição, porque ainda não podem disponibilizar os filmes online; outros topam tanto a exibição quanto a distribuição. Normalmente, as respostas são bem positivas.  


A próxima exibição está prevista para final de junho no Pátio do Colégio. Acompanhe a programação pela página do Filmsystem.

 

Fotos: Divulgação


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