"O planeta avisa que não vai dar para todos". Esse foi o anúncio de Aron Belinky, coordenador do Programa de Finanças do GVces (Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração de Empresas de São Paulo), na roda de conversa sobre consumo consciente que aconteceu durante a Virada Sustentável. “A gente já estourou a nossa capacidade em mais de um planeta e meio”, completa. Para amenizar a situação só há uma saída: mudar o modo como produzimos e consumimos.
A gente já estourou a nossa capacidade em mais de um planeta e meio, alerta Aron Belinky
Todos os anos, o World Wide Fund For Nature (WWF) e o think tank internacional Global Footprint Network, baseados em estatísticas oficiais de 150 países, indicam qual foi o dia em que a humanidade esgotou a cota de recursos naturais do planeta, conhecido como o Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshot Day). Isso significa que nessa data nós ultrapassamos os limites ecológicos anuais do planeta de se regenerar. Desse momento em diante, começamos a consumir e poluir mais do que a Terra pode suportar. O planeta atingiu seu pico no dia 20 de agosto de 2013. Em 2014, esse dia foi 19 de agosto.
Esses dados indicam que se a humanidade não adotar mudanças drásticas em seu padrão de consumo, em algumas décadas a oferta mundial de alimentos, petróleo, água potável e outros recursos minerais deixará de atender a demanda. Em razão de fatores como a produção em escala industrial, o uso intenso de matérias-primas não renováveis e a redução da durabilidade dos objetos, o consumo cresceu de modo desenfreado sem que o meio ambiente acompanhasse esse ritimo. É contra essa catástrofe que surge a ideia de consumirmos de forma mais consciente.
Engana-se quem acredita que essas mudanças ocorreram apenas no âmbito material. Nossa mentalidade também foi afetada. O documentário The Century of the Self (2002), produzido pela BBC e dirigido por Adam Curtis, mostra que, ainda na primeira metade do século 20, a publicidade se apoderou das teorias de Sigmund Freud e associou conceitos e sensações aos produtos, transformando-os em símbolos. Desse modo, cada vez mais, as coisas deixaram de ser apenas úteis e se tornaram essenciais. A grande questão é: as pessoas precisam voltar a ter consciência de que produtos podem ser facilitadores da vida, mas não a vida em si.
Reduzindo um objeto a sua devida importância, fica mais fácil compreender que há outras opções além de jogá-lo fora ou comprar um novo. Se a escolha for mesmo por se desfazer do produto, há outros caminhos antes da lata de lixo. Pode-se consertá-lo, trocá-lo ou, por que não, simplesmente doá-lo. Caso nenhuma das opções seja possível, aí sim, a reciclagem pode ser o destino. O caminho inverso também serve. Na hora de comprar, pode-se procurar por produtos usados em brechós ou até doações de amigos e parentes antes de recorrer aos shoppings.
A forma pela qual as pessoas trabalham e se relacionam atualmente também passa por alterações que visam reduzir o uso de recursos e potencializar laços humanos. "A economia compartilhada, conhecida como sharing economy, entra cada vez mais em várias áreas vida da nossa vida. Na mobilidade urbana, existe o bike sharing e as caronas; na habitação, por exemplo, podemos nos hospedar na casa de pessoas que não conhecemos; no trabalho, já existem espaços de coworking e projetos que podem ser viabilizados por crowdfunding (financiamento coletivo)", relata Ariel Kogan, membro da Open Knowledge Brasil e sócio do empreendimento Los Mendozitos. "Dessa forma, não necessariamente perdemos os bens, mas usufruimos e consumimos de forma compartilhada e colaborativa. E sse é um caminho sem volta."
Com a economia compartilhada, não perdemos os bens: aprendemos a dividir
Outro mito em torno desse debate é o da eficiência e do lucro. A redução das emissões não é apenas compatível com o crescimento econômico, ela também está profundamente aliada ao desenvolvimento. Atualmente, o Banco Mundial está trabalhando para criar mecanismos de precificação de carbono, um mercado avaliado em 30 bilhões de dólares. Já existem bolsas de carbono nas cidades chinesas de Tianjin, Pequim, Xangai, Shenzhen, Guangdong, Hubei e Chongqing.
Uma empresa que adota mecanismos de produção mais sustentáveis está não apenas preocupada com o planeta, mas também com a própria saúde financeira. Não há mais espaço para empresas que se autodeclaram sustentáveis, mas sequer reciclam o lixo que produzem.
"Existem hoje empresas que têm como core business a regeneração da biodiversidade, ou seja, ecossistemas", conta Kogan."É possível as empresas terem um impacto positivo e o consumidor a possibilidade de escolher por esses produtos", acredia o empresário.
É possível as empresas terem um impacto positivo e o consumidor a possibilidade de escolher por esses produtos, acredita Ariel Kogan
Uma sociedade que consome de maneira mais consciente não está preocupada apenas com preço e marca. Consumidores atentos procuram escolher produtos que prejudiquem menos o meio ambiente, a saúde humana e animal. Esse novo tipo perfil se preocupa com questões que vão desde relações justas de trabalho até como são feitas as campanhas publicitárias. No Brasil, empresas como Zara e Ellus tiveram sua imagem arranhada quando a opinião pública descobriu que algumas das roupas vendidas por essas companhias eram feitas por trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão. Para a maioria dos especialistas, a tendência é o público ficar cada vez mais atento a como os produtos foram feitos.
O Centro Cultural São Paulo foi palco para uma roda de conversa sobre consumo consciente na Virada Sustentável
“As pessoas geralmente encaram a sustentabilidade como algo chato e complexo. Mas, o que ela se propõe a trazer de benefício é exatamente o que elas querem: uma condição de vida melhor e mais saudável, menor desigualdade social, um deslocamento adequado na cidade, entre outras vantagens", sentencia Aron Belinky.
Fotos: Sandra Adami