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“Brasil precisa reduzir o consumo de carne para ser um país saudável e sustentável”, afirma pesquisador britânico

Segundo Antony Froggatt, a preservação da biodiversidade deve ser uma das principais preocupações nacionais
Bruno Torres
27/09/19

Seu prato é o lugar onde começa a luta contra as mudanças climáticas que afetam o planeta. É isso que indicam pesquisas feitas pela Chatham House, organização independente com base em Londres, no Reino Unido. De acordo com os levatamentos da instituição britânica, para mudarmos a atual situação global devemos necessariamente encarar a possibilidade de diminuir consideravelmente o consumo de carnes. 

O pesquisador Antony Froggat, que comanda a pesquisa, é categórico ao associar a redução da demanda global por carne e laticínios com a possiblidade de alcançarmos os objetivos climáticos do planeta propostos nos fóruns mundiais sobre o tema. Segundo ele, quanto menos produtos de origem animal consumirmos, melhor será para o meio ambiente. Além desse enorme benefício, esse tipo de mudança é capaz de preservara biodiversidade e a melhorar da saúde das pessoas.

Porém, apesar de todos esses benefícios, segundo aponta a pesquisa, não estamos muito preocupados com as mudanças climáticas quando o assunto é alimentação. Esse tópico é considerado pouco relevante para o consumidor na hora de escolher um produto.

O Brasil foi um dos 4 países (Estados Unidos, Reino Unido e China) incluídos na pesquisa. O trabalho busca dimensionar a conscientização dos consumidores sobre o impacto da pecuária nas mudanças climáticas.

Para mudar esse cenário dramático, Froggatt acredita que o governo, o setor privado e as ONGs precisam adotar medidas no sentido de criar um ambiente favorável e capaz de incentivar a mudança nas dietas da população.

O pesquisador esteve no Brasil para participar de quatro debates sobre o tema com representantes do poder público, especialistas e empresários. Em entrevista exclusiva ao Portal NAMU, ele reforça a urgência da conscientização e aponta possíveis soluções para redução do consumo de carne e lacticínios.

Portal NAMU: Por que o Brasil é um país chave nesse projeto?
Antony Froggat: Escolhemos quatro países. O Reino Unido porque é um representante da União Europeia; os Estados Unidos, por serem os maiores consumidores de carne e produtos lácteos; a China em razão do crescimento rápido dos seus índices de consumo e da importação de muitos alimentos para a produção de carne; e o Brasil, em função de ser o segundo maior consumidor de carnes per capita e porque é um grande produtor de carne para sua própria população e para exportação. Além desses fatores, o Brasil é um grande exportador de soja, a qual, por sua vez, é utilizada para alimentar os animais em outros países e parte absolutamente fundamental para a indústria global da pecuária.

Após o início do projeto, vimos a necessidade de relacionar Brasil e China. Atualmente, 50% da soja produzida na China é utilizada para alimentar os animais. Então, se os chineses aumentarem seu consumo de derivados de animais, o Brasil terá de se fazer algumas perguntas sérias em termos de quanto de soja quer prover para a China e como isso impactará sua biodiversidade.

Como exatamente o consumo de carne afeta o aquecimento global e as mudanças climáticas?
Com aproximadamente 15% da emissão global de gases do efeito estufa. Isso é uma análise do ciclo completo, ou seja, relaciona desde o desmatamento da terra, utilizada como pasto para criar gado, até o gás metano produzido pelas vacas.

Quais foram as suas impressões sobre o debate desse tema no Brasil?
Pelas discussões que nós tivemos aqui no Brasil, há um desenvolvimento muito positivo do tema no país. Há um reconhecimento nas diretrizes do governo da relação alimentação e sustentabilidade. Muitos outros países ainda não fizeram essa associação. Seria útil se essas recomendações se tornassem mais interligadas com as políticas do governo.

O poder executivo tem influência na preparação das refeições em escolas, hospitais, prédios públicos etc. Em todas essas instituições, se o governo quiser ele pode exigir a aplicação das orientações dietéticas. Isso terá um impacto não apenas na mudança do consumo, mas também na maneira como as pessoas pensam sobre a alimentação.

Até o momento, a direção que o consumo de alimentos está seguindo não está boa nem para a saúde, nem para a sustentabilidade. Por isso, é preciso que sejam feitas intervenções tanto do governo como dos outros setores para conseguirmos mudar essa direção.

Quais outras iniciativas podem ser tomadas pelo governo para diminuir o consumo de carne?
É muito claro que ainda faltam informações para maioria das pessoas sobre os impactos ambientais do alto consumo de carne. Há uma série de campanhas publicitárias positivas que podem ser feitas. Além de se oferecer apoio às iniciativas que estão vendendo produtos mais saudáveis para se tornarem mais proeminentes nas mentes dos consumidores. Isso pode ser feito através de propagandas ou trabalhando com os supermercados para que os produtos mais saudáveis estejam mais visíveis nas prateleiras.

Também se pode diminuir o consumo daqueles produtos que são menos saudáveis, removendo as propagandas e implantando taxas. A taxação é uma medida menos popular, porque afeta as finanças individuais. Até o momento nós não temos conhecimento de taxas significantes implantadas sobre as carnes por razão das mudanças climáticas ou de saúde, mas isso já existe em alguns outros produtos. É algo que o governo deveria considerar. Se ele quiser mudar a dieta, a taxação é um modo importante e que tem mostrado êxito. Outra opção é tirar os subsídios daqueles produtos que prejudicam o meio ambiente. Isso já é feito em outros setores em alguns países. Por exemplo, há um movimento para remoção de subsídios para combustíveis fósseis.

É possível prever em quanto tempo uma mudança no consumo de carne irá conseguir diminuir a produção e assim reduzir o impacto sob as mudanças climáticas?
Não é possível mensurar. Essa é sempre uma questão: o quão efetivo e quão rápido é possível mudar a sociedade em termos de comportamento individual. É possível ver exemplos em outros setores. No Japão, após o desastre em Fukushima, os preços da energia subiram e houve racionamento, ainda assim, em seis meses, a demanda caiu 10% porque houve uma mudança de comportamento da população. Em circunstâncias extremas é possível observar mudanças rápidas no comportamento. O mesmo pode acontecer quando o ambiente político se torna favorável às mudanças.

Se você comparar as mudanças comportamentais com invenções como o carro elétrico, os resultados são mais profundos no primeiro caso. Para colocar veículos elétricos nas ruas, você precisará alterar toda a produção de automóveis. Isso tem um custo alto e pode levar bastante tempo. Já mudanças comportamentais são capazes de apresentar resultados mais rápidos.

No Brasil, um dos desafios para diminuir o consumo de carne é enfrentar setores com muito poder econômico e político e pouca preocupação ambiental como é o caso da indústria da carne.
Esse setor realmente emprega milhares de pessoas e tem muito poder político no Brasil, o que é comum em outros países também. Porém, é importante analisar se esse setor produz resultados positivos ou negativos para a economia e apontar quais são as alternativas. Você não pode simplesmente dizer que a empresa ‘x’ ou ‘y’ não pode utilizar esse ou aquele pedaço de terra por exemplo. É necessário dizer o que será feito com essa terra para que ela seja produtiva e não destrua o meio ambiente. A solução não é desempregar centenas de pessoas e encerrar um processo produtivo, mas procurar novas alternativas mais sustentáveis. Isso é uma questão de transformação. Se você quer mudar, tem de pensar qual é o melhor modo de fazer isso. É necessário buscar fazer tudo de um jeito que seja menos disruptivo e menos custoso.

Eu penso que o primeiro fator a ser considerado no Brasil deve ser a descoberta da quantidade máxima de carne na dieta diária que pode ser consumida. Esse é o primeiro passo para o país ter uma sociedade saudável e sustentável. As pesquisas que nós estamos fazendo indicam que para atingir a meta é preciso reduzir o consumo. Então, é necessário pensar qual será o melhor jeito de fazer isso.


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