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Expulsar para preservar?

Documentário revela problemas com a lei que prevê a retirada de moradores que vivem em áreas de preservação
Bruno Torres
27/09/19

Pelas leis brasileiras, quando uma reserva florestal é criada, todos os moradores da área, à execeção das populações indígenas, devem ser retirados. É uma norma baseada na premissa de que a existência de seres humanos habitando uma certa região é incompatível com a sua preservação. Mas será que apenas os índios podem viver integrados aos ciclos da natureza e ao ambiente da floresta? O documentário Matias, dos cineastas Ricardo Martensen e Felipe Tomazelli, retrata a história de um homem que, há mais de 60 anos, tem desafiado esse conceito.

Matias Mendes de Queiroz, 61 anos, é proprietário de um rancho dentro do Parque Estadual Nascentes do Paranapanema (PENAP), nos municípios de Capão Bonito e Ribeirão Grande, um dos últimos trechos de Mata Atlântica preservada do Brasil. Nascido e criado no local, o sertanejo mantém roça de subsistência com milho, mandioca, feijão, horta e um pomar com bananeiras e espécies cítricas. Seus irmãos e a mãe deixaram o isolamento da mata há muitos anos e, desde que seu pai faleceu, 12 anos atrás, sua companhia são os animais. Possui um cavalo e muitas aves, entre galinhas e frangos, além de alguns cachorros, com quem conversa, discute e se entende.

O documentário

Em abril de 2012, o irmão de Ricardo Martensen, que é biólogo, estava trabalhando com uma equipe na criação de uma reserva florestal no estado de São Paulo. Tratava-se do PENAP, que abrange uma área de 22 mil hectares e concentra também as cabeceiras do rio Paranapanema.

“Durante os estudos para a criação do parque, ele descobriu um senhor morando em uma pequena tapera na mata, bem no meio da região onde o parque seria criado. Como Seu Matias não tem origem indígena, ele teria de ser retirado”, conta o diretor. Preocupado com o destino do homem, o biólogo pediu ao irmão que fizesse um pequeno vídeo mostrando seu cotidiano. A intenção era provar para as autoridades a profunda relação de Matias com a terra e, dessa forma, assegurar sua permanência no local mesmo depois da criação do parque.

Imagem da casa de Matias em meio ao parque estadual
O PENAP, entre Capão Bonito e Ribeirão Grande, é um dos últimos trechos de Mata Atlântica preservada do Brasil

Ricardo aceitou, convocou seu sócio Felipe Tomazelli, e depois de enfrentarem três horas de trilha num 4X4 pelo meio da mata fechada, os cineastas chegaram ao vale onde vive Matias. “Diferentemente da maioria dos ermitões, ele não procurou o isolamento, apenas se recusou a deixar sua terra, seus costumes e sua vida para trás. É um remanescente”, afirma Felipe, sócio de Ricardo na produtora Trilha Mídia. Após o contato inicial e fascinados com o personagem, os dois voltaram decididos a escrever o projeto e buscar financiamento para um documentário sobre aquela história. Um ano e meio depois, estavam de volta ao local para gravar o filme.

O guardião da floresta

Aparentemente, Matias representa uma cultura do passado. No entanto, seu estilo de vida nos remete a questões extremamente importantes para o presente e o futuro. “É um homem indissociável de sua terra, que, na contramão do que dizem as leis brasileiras, tem papel fundamental para manter o equilíbrio daquele lugar. Ele escancara como somos dependentes e estamos inseridos nos ciclos do meio ambiente”, relata Ricardo Martensen. O diretor ressalta que, nas grandes cidades, nos acostumamos a pensar que não fazemos parte da natureza. “Vem daí a ideia atrasada de nossas leis de que, ao se criar uma unidade de conservação, temos que tirar todas as pessoas do local. Como se os seres humanos não pudessem coexistir de forma harmônica com o meio ambiente”, completa.

 
O sertanejo mantém roça de subsistência, cria galinhas e possui um cavalo para percorrer distâncias maiores 

Felipe Tomazelli reforça o discurso do seu parceiro de trabalho. “Assim como Matias, existe uma série de outros exemplos Brasil afora. Essas pessoas não são um problema, mas parte da solução. São remanescentes que representam culturas e modos de vida à beira da extinção, mas que, ao mesmo tempo, têm muito a nos ensinar”, afirma. Como um dos últimos moradores remanescentes, Matias guarda conhecimentos tradicionais e personifica um guardião dos costumes e tradições do sertão.

O filme foi exibido no Festival da Cracóvia (Polônia), no de Bogotá e no Camerimage, que é o mais importante evento de Fotografia de Cinema no Mundo. Além disso, foram realizadas diversas exibições públicas na região onde o filme foi rodado e uma no Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo. O documentário deverá ser disponibilizado na internet em breve. “Nossa intenção é que ele atinja o maior número de pessoas possível”, afirma Felipe.  

Fotos: Divulgação


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