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Grafite: arte, rebeldia e patrocínio

O ilustrador Danilo Roots fala sobre seu trabalho e projetos que destacam São Paulo no cenário mundial do grafite
Bruno Torres
27/09/19

O grafite surge nos muros como uma forma de linguagem e expressão urbana. Sem pedir licença, passa sua mensagem aos moradores e visitantes da cidade. Os movimentos pelo reconhecimento do grafite têm impulsionado a inserção de novos nomes no mundo artístico e transformações no espaço público.

A partir do dia 6 de dezembro até o início de fevereiro de 2015, quem passar pela Avenida 23 de Maio, na cidade de São Paulo, poderá conferir o processo de criação do novo maior painel de grafite da América Latina. O projeto é uma parceria entre a Secretaria Municipal de Cultura e mais de 200 artistas que vão grafitar cerca de 5,4 km de muros.

Em abril desse mesmo ano, o projeto 4KM produziu quatro quilômetros de desenhos ao longo dos muros do metrô na Radial Leste, entre as estações Patriarca e Corinthians-Itaquera. A ideia foi uma iniciativa da Secretaria de Turismo do Governo do Estado de São Paulo e do Comitê Paulista da Copa do Mundo 2014. A obra foi inspirada na cidade de São Paulo, na torcida e no futebol brasileiro. Os 70 artistas selecionados para participar da confecção do painel receberam um cachê de cerca de R$ 6.500 cada.

O 4KM, que recebeu apoio financeiro da Nike, também gerou críticas e foi alvo de protestos. Um dia após o término dos desenhos, mensagens ofensas contra a competição (“Não vai ter Copa”) e contra a Fifa foram escritas no painel. Vários grafiteiros viram de forma negativa tanto o 4KM quanto a relação entre alguns artistas e o poder público. Um deles foi Paulo Ito, que preferiu não participar do projeto. O artista acabaria conhecido mundialmente por obras que denunciavam os gastos com a Copa e a falta de investimentos em outras áreas no Brasil.

O grafite do menino faminto de Paulo Ito teve repercussão internacional

O grafite do artista Paulo Ito ganhou repercussão mundial após fazer uma dura crítica à Copa do Mundo de 2014

Em entrevista exclusiva ao Portal NAMU, Danilo Roots, um dos idealizadores e curadores do projeto 4KM, falou mais sobre a importância e a cena do grafite na cidade de São Paulo e também sobre a polêmica que envolve os grande painéis patrocianados.

Portal NAMU: Como se foi sua trajetória no grafite e qual a sua relação com esse tipo de arte?

Danilo Roots: O grafite, junto com outros elementos do hip-hop, entrou na minha vida quando eu ainda era criança, numa época em que havia em frente a minha casa uma crew de B.Boys e de grafiteiros que pintavam os muros do bairro. Eu sempre estava por perto acompanhando e decidi que um dia também queria fazer aquilo. Os primeiros rabiscos nos muros surgiram no final dos anos 1990. Depois, me dediquei ao design digital e à ilustração. Em 2009, após um afastamento no trabalho, comprei alguns sprays de tinta e voltei a grafitar. De lá pra cá nunca mais parei.

Os grafites com as mandalas são a marca registrada de Daniel Roots

Como foi participar de iniciativas como o projeto 4KM e o Cohab na Copa?

Foi ótimo, nós estávamos escrevendo esses projetos desde 2012 e no início seria uma coisa só. Depois de muitas reuniões, novas ideias e busca por patrocinadores ele se dividiu em dois. O 4KM produziu o maior corredor de grafite da América Latina e conta com a participação de mais de 70 artistas. Já com o Cohab na Copa, pintamos 12 laterais de prédios vizinhos ao estádio do Corinthians. Foi muito bom participar e ver nascer um projeto de tamanha importância. Nossos trabalhos foram vistos pelo mundo todo, foi um grande aprendizado e fiquei muito orgulhoso disso.

Grafite de Daniel Roots na Cohab Itaquera

Os grafites do projeto Cohab na Copa fazem frente à Radial Leste, na zona leste de SP, que dá acesso ao estádio do Corinthians

Quais são seus objetos de inspiração para criar os desenhos pela cidade?

Sempre gostei muito de natureza. Mas, hoje em dia, nas grandes cidades, está cada vez mais difícil ver um pássaro voando, nos rios só há lixo e a cada ano o concreto cinza ganha mais espaço nas ruas em detrimento das árvores. A minha ideia é relembrar o quanto a natureza é bela e fundamental para nossas vidas. É uma forma que encontrei de alertar e ao mesmo tempo deixar a cidade mais colorida e alegre.

Você acredita que o grafite faz com que as pessoas interajam mais com a cidade? Isso a torna mais humanizada?

Acredito que sim, o grafite exerce diversas funções. Esse tipo de arte pode ser uma forma de protestar, informar ou construir a identidade de uma cidade como São Paulo. Além de ser positiva para o artista que está ali se expressando, também é para o receptor dessa arte, que pode se identificar com ela. Seja a pessoa que cedeu seu muro, um pedestre ou alguém que está parado no transito e tem a chance de observar os desenhos. Eu, particularmente, fico feliz quando percebo um grafite novo ou quando reconheço quem o fez.

Grafite de Daniel Roots na ciclovia da Avenida Radial Leste

Você acredita que o grafite se tornou uma arte de resistência? Qual a importância disso?

Acredito que o grafite está resistindo há mais de 40 anos, desde que começou a tomar conta dos muros em vários lugares do mundo. No Brasil, essa arte urbana tem de mostrar sua resistência a diversas questões, desde a falta de espaço e aceitação até os altos preços dos sprays de tinta. Mas acho que é graças a essa resistência que o grafite existe até hoje e está cada vez mais forte, conquistando seu espaço e seu devido valor.

Para você se trata de um processo de educação pela arte já que está nas ruas e não só nos museus?

A arte é sempre muito bem-vinda e, se estiver presente no cotidiano das pessoas o acesso fica mais fácil. São Paulo é considerada uma cidade expoente na cena do grafite e as pessoas acabam se acostumando em viver esse tipo de arte no dia a dia. Uma vez pude pintar no interior do estado, onde a presença do grafite não é tão intensa, e foi uma experiência incrível. As pessoas, desde as crianças até os mais velhos, ficaram admiradas com o que é possível fazer com um spray de tinta. Acho que as vezes o que se torna rotina para o artista, pode ser uma oportunidade para o público ter acesso a aquele tipo de arte.

Grafite feito por Danilo Roots

O grafite nasceu na rua e foi incorporado pelos centros artísticos e galerias. O que você pensa sobre isso?

Na minha opinião grafite é o que está na rua. A partir do momento em que ele vai para a galeria ou para uma sala de apartamento, passa a ser uma obra de arte com técnicas de grafite. Como artista eu acho ótimo poder passear por diversos segmentos. Quero viver da minha própria arte, aproveitar o meu dom para não ter que aturar padrões e patrões e graças a essa popularização o grafite está, cada vez mais, caindo no gosto das pessoas e sendo valorizado. Mas acredito que o Brasil ainda está engatinhando no que diz respeito a arte e a cultura, as vezes parece que há muitas outras prioridades antes disso.

Grafite de Danilo Roots no Parque do Ibirapuera

Qual é a diferença do Danilo Roots das ruas para o das galerias e exposições? A linguagem muda em cada um desses lugares?

Ambos carregam a mesma mensagem, linguagem e expressão. Gosto muito de pintar na rua por ter a possibilidade de trocar experiências com as pessoas. Mas na rua temos que nos desapegar mais da nossa arte. Lá ela está sujeita a tudo, pode perdurar por anos ou por somente um dia. Mas também gosto produzir em casa, com calma, uma tela ou alguma encomenda de customização. Assim é possível se dedicar mais aos detalhes e é mais certo que aquela obra vai ser valorizada e durar por mais tempo.

Grafite de Danilo Roots no Parque do Ibirapuera

Arte de Danilo Roots em parceria com Feik, Verde e xGUIx, no parque do Ibirapuera

Há diferenças entre as intervenções na periferia e no centro expandido?

Eu, particularmente, prefiro pintar na periferia do que em lugares de maior poder aquisitivo. Na periferia eu geralmente me divirto mais, as crianças ficam na rua brincando e observando o trabalho e os moradores ficam felizes que você está ali dando mais cor e beleza para a “quebrada”. Além disso, são mais receptivos e solícitos. Já nas áreas mais ricas, as pessoas costumam valorizar um tipo especifico de arte, aquela que está nos museus, ainda há um pouco de preconceito com o grafite.

Foto 2: Gustavo Linares

Foto 3: Biel Tadeu

Foto 4: VR Graffiti

Foto 5, 6, 7 e 8: Divulgação Danilo Roots


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