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Agrotóxicos e Fertilizantes

Brasil: liderança no uso de agrotóxicos

Maior consumidor mundial, país autoriza o uso de substâncias que já são proibidas em outras nações
Bruno Torres
27/09/19

Não seria exagero, nem incorreto, propor que grande parte dos alimentos consumidos em território nacional contenha uma quantidade de agrotóxicos muito superior à permitida mundialmente. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) indicam que o uso inadequado ou excessivo desse tipo de insumo pode trazer graves danos à saúde humana e ao meio ambiente.

Segundo o Dossiê Abrasco – Um Alerta sobre os Impactos dos Agrotóxicos na Saúde, publicado em abril de 2015 pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), durante um evento na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o setor agrícola brasileiro comprou, no ano de 2012, 823 mil toneladas de agrotóxicos. Desse total, uma boa parte é proibida em outros países. De 2000 a 2012, o aumento em toneladas de agrotóxicos compradas no Brasil foi de 162,32%. Setores do agronegócio defendem que o impacto dos agrotóxicos está limitado ao campo. Mas há um erro nessa afirmação.

Para o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), o "modelo de cultivo com o intensivo uso de agrotóxicos gera grandes malefícios, como poluição ambiental e intoxicação de trabalhadores e da população em geral. As intoxicações agudas por agrotóxicos são as mais conhecidas e afetam, principalmente, as pessoas expostas em seu ambiente de trabalho (exposição ocupacional). São caracterizadas por efeitos como irritação da pele e olhos, coceira, cólicas, vômitos, diarreias, espasmos, dificuldades respiratórias, convulsões e morte. As intoxicações crônicas podem afetar toda a população, pois são decorrentes da exposição múltipla aos agrotóxicos, isto é, da presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos e no ambiente, geralmente em doses baixas. Os efeitos adversos decorrentes da exposição crônica aos agrotóxicos podem aparecer muito tempo após a exposição, dificultando a correlação com o agente. Dentre os efeitos associados à exposição crônica a ingredientes ativos de agrotóxicos podem ser citados infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer".

Avião despejando pesticidasLíder mundial em agrotóxicos

O Brasil se destaca como o maior consumidor mundial de agrotóxicos, seguido pelos Estados Unidos, de acordo com o estudo Regulation of Pesticides: A Comparative Analysis, publicado em 2013 pela Universidade de Oxford. Os problemas no Brasil estão associados à alta produtividade do setor de agronegócio.

Em oito anos, a quantidade utilizada por área plantada no país mais do que dobrou, passando de 70 kg por hectare em 1992 para mais de 150 kg em 2010, segundo o relatório Indicadores de Desenvolvimento Sustentável – Brasil 2012, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nessa avaliação, o Brasil aparece em sexto lugar. O mesmo estudo afirma que o país terá seguramente o mais rápido crescimento da produção agrícola no mundo nos próximos dez anos, com uma expansão superior a 40%.

“O Japão é o maior consumidor de produtos por área plantada, e os Estados Unidos representam o maior em volume comercial”, afirma Luís Eduardo Pacifici Rangel, coordenador-geral de Agrotóxicos e Afins do Departamento de Fiscalização de Insumos Agrícolas (Dfia) da Secretaria de Defesa Agropecuária, órgão vinculado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). De acordo com Rangel, os dados são citados em apresentações da Croplife International e da Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO).

De acordo com esse relatório, em 2008, o Brasil “respondeu, na América Latina, por 86% dos produtos vendidos”. Esses números, que atestam a robustez do país nesse mercado, estão diretamente associados ao crescimento e ao peso do agronegócio no país. De acordo com informações do Ministério da Agricultura, o Brasil é atualmente o líder mundial em produção de cana-de-açúcar. Levantamentos de instituições internacionais, como o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (The United States Department of Agriculture, USDA), também destacam a liderança brasileira nas monoculturas de laranja, café, entre outras, e o segundo lugar na produção de soja.

Consumo versus área

“A manutenção de culturas no campo o ano inteiro não quebra, muitas vezes, o ciclo da praga, o que torna o controle ainda mais necessário”, afirma a assessoria do Ministério da Agricultura. Ainda de acordo com o ministério, se for considerado o uso por área plantada, o Brasil não figura como maior consumidor de agrotóxicos. “Países como França, Estados Unidos e Japão utilizam muito mais deste insumo por unidade de área.”

Nesse outro cenário, se for considerando ainda investimento em dólares por tonelada de alimento produzido, quem aparece como líder mundial no consumo de agrotóxicos é o Japão, segundo estudo feito pela consultoria alemã Kleffmann, encomendado pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).

Não faltam aspectos nebulosos no campo dos agrotóxicos. Desde 2011, pesquisadores denunciam o uso destas substâncias sem o devido controle, não sem motivos. Um dos problemas mais gritantes associado ao uso de pesticidas é a pulverização aérea, que acumula um vasto histórico de acidentes, vítimas e reclamações. Para Rangel, do Dfia, a pulverização aérea é “fundamental” e “indispensável” no modelo de agricultura brasileiro.

“Existe um forte preconceito com a tecnologia, fruto de uma visão leiga e de casos isolados e inaceitáveis de acidentes”, diz ele. Não podemos preterir este modelo de uso, sob pena de não sermos competitivos. A Europa tem uma agricultura totalmente diferente do Brasil, não só sob os aspectos agronômicos, mas econômicos. Não é parâmetro de comparação”, afirma.

Incidentes e liberação irregular

Há relatos de incidentes com esse tipo de uso em Minas Gerais, Ceará, Espírito Santo e outras regiões, apesar da legislação, que estabelece distância mínima de 500 m de qualquer povoado. O mais recente, e também o mais grave, ocorreu no mês de maio de 2013, em Goiás. Lá, o alvo da aplicação aérea de agrotóxicos não foi nenhuma lavoura, mas a escola pública São José do Pontal, do assentamento rural Pontal dos Buritis, que abriga 150 famílias, no município de Rio Verde. De acordo com o Ministério Publico, houve 92 intoxicações (18 adultos e 74 crianças e adolescentes).

Outro problema que agrava o cenário foi apontado pelo Ministério Público Federal (MPF), que questionou a liberação de forma irregular, desde 2012, de registros de defensivos mais nocivos à saúde. A ação teve base em um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que mudou no ano passado a interpretação da Lei 7.802 (Lei dos Agrotóxicos, de 1989). Até então, com base no texto legal, pesticidas mais perigosos que outros já no mercado (com o mesmo fim e princípio ativo), não podiam ser liberados. O parecer da AGU mudou o cenário. Na brecha aberta pela decisão, o Consórcio Cooperativo Agropecuário Brasileiro (CCAB) obteve o registro do produto "Acetamiprid CCAB 200 SP". Por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério da Agricultura declara que “os produtos apontados pelo MPF eram feitos à base de ingredientes ativos já registrados no Brasil, logo não se configuram como produtos novos. Ainda que tenham classe toxicológica diferente daquele já registrado para o mesmo fim, pela legislação, não seria impeditivo de registro”.

O caso gerou polêmica após a mudança, com base em denúncias feitas à imprensa em 2012 pelo ex-gerente de toxicologia da Anvisa, Luiz Cláudio Meirelles, exonerado do cargo durante apuração interna coordenada por ele. Em seguida, o MPF abriu investigação sobre o caso, que foi submetido pelo próprio órgão e pela Anvisa ao Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal (DEPConsu/PGF) para análise e, em abril de 2013, a AGU voltou atrás e divulgou parecer decidindo pela proibição.

Pimentão: o rei dos agrotóxicos

“Todas essas culturas utilizam agrotóxicos para controle de pragas e doenças a fim de possibilitar altas produtividades”, informou o Ministério da Agricultura, por meio de sua assessoria de comunicação. O pimentão lidera a lista dos vegetais mais atingidos pelos compostos químicos. Mais de 90% de sua produção apresenta taxas de contaminação inadequadas para o consumo, de acordo com a Anvisa.

Outro ponto a ser considerado é que, diferentemente de países como Canadá, Estados Unidos e países do norte da Europa, o Brasil é predominantemente tropical e não é acometido pela neve, fenômeno climático que realiza o controle natural de pragas. O clima quente e úmido favorece o desenvolvimento seu desenvolvimento da mesma forma que possibilita a existência de até duas safras e meia por ano, o que não ocorre em outros países.

Pimentões

Proibidos no exterior, aceitos no Brasil

No mesmo balaio de controvérsias está a autorização de uso de substâncias vetadas em outros países por causarem danos sociais, econômicos e ambientais. Agrotóxicos que foram proibidos em 1985 na União Europeia, Estados Unidos e Canadá. Questionada pela reportagem do Portal NAMU, a Anvisa informou que tem em andamento um processo de reavaliação de agrotóxicos que já culminou com a retirada ou reenquadramento de alguns produtos no mercado.

Essa reavaliação, segundo a agência, envolve 14 produtos. “O Brasil possui um dos sistemas regulatórios mais modernos do mundo”, defende Luís Eduardo Pacifici Rangel. Segundo ele, o país possui um sistema de reavaliação disciplinado por instrução normativa conjunta que envolve saúde, agricultura e meio ambiente. “Nosso sistema é mais eficiente do que dos demais países citados. As restrições nesses lugares se devem em sua maioria por desinteresse comercial das empresas”.

Um resultado direto desse trabalho foi o banimento do mercado brasileiro, desde julho de 2012, do agrotóxico metamidofós. Estudos toxicológicos constataram que ele era responsável por prejuízos ao desenvolvimento embriofetal. “Além disso, o produto apresenta características neurotóxicas, imunotóxicas e depreciativas sobre os sistemas endócrino e reprodutor”, justificou a Anvisa.

“Ao longo do processo de discussão com os diversos setores da sociedade sobre a retirada do produto do mercado, não foram apresentadas provas de que o produto é seguro para a saúde das pessoas”, diz o diretor da Anvisa, José Agenor Álvares. No Brasil, de acordo com a Anvisa, o inseticida era utilizado para o controle de pragas nas culturas de algodão, amendoim, batata, feijão, soja, tomate para uso industrial e trigo. A entidade informou ainda que o metamidofós teve o uso banido na China, Paquistão, Indonésia, Japão, Costa do Marfim e Samoa, além dos países da Comunidade Europeia.

Toxicidade, leis e lucros

Por que é tão difícil revisar a legislação que regulamenta o uso desses agrotóxicos? “O processo de reavaliação é um trabalho científico e por isso o embasamento para a decisão final precisa estar muito bem sustentado”, argumenta a Anvisa por meio de sua assessoria de imprensa. A agência reconhece que a revisão toxicológica é amarrada por questões judiciais. “A Anvisa teve algumas dificuldades neste processo por conta da judicialização da questão por parte de empresas que tentaram impedir as reavaliações”, informou o órgão, via assessoria. Atualmente, quase uma dezena de ingredientes de agrotóxicos já vetados em diversos países aguarda reavaliação.

Critérios econômicos estão ditando as regras, acredita o jornalista e ativista ambiental Eduardo Galeano. “Em nome da produtividade, o uso de venenos para a natureza está sendo permitido”, argumenta o jornalista no documentário O veneno está na mesa, dirigido pelo cineasta Silvio Tendler. Para ele, o problema não é apenas local.

“A América Latina tem uma longa história de perdas, usurpação e roubo dos recursos naturais”. Outro levantamento, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, criada em 2011 por movimentos sociais e pesquisadores, destaca o consumo anual de agrotóxicos. De acordo com a pesquisa, cada brasileiro consome em média 5,2 litros desses insumos por ano.

Impostos e brechas

Outra investida contra os pesticidas veio em 2012, com a divulgação de um dossiê produzido pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), que reuniu relatos sobre contaminação ambiental em zonas rurais. O documento ressalta a utilização de agrotóxicos nas lavouras do país, que saltou de 599,5 milhões de litros no ano de 2002 para 852,8 milhões de litros em 2011. Segundo o texto, o aumento do consumo está relacionado à diminuição dos preços e à isenção dos impostos sobre tais produtos, o que força os agricultores a utilizar maior quantidade por hectare.

“Todos os produtos registrados atualmente no Brasil passaram por um crivo rigoroso da área ambiental, toxicológica e agronômica”, responde o Ministério da Agricultura, por meio de sua assessoria de imprensa. De acordo com informações da pasta, para o uso proposto, todos os produtos registrados mostraram-se seguros e eficientes. “A legislação brasileira de agrotóxicos é alinhada mundialmente e os processos de avaliação e reavaliação seguem protocolos internacionais harmonizados”, garante o ministério.

Plano nacional para orgânicos

Segundo informações do estudo Regulation of pesticides: A comparative analysis, do qual participa o economista Victor Pelayez, da Universidade Federal do Paraná, diferentemente de outros países, como Estados Unidos, União Europeia e Japão, a aprovação dos agrotóxicos no Brasil possui brechas que fazem do país destino de pesticidas proibidos lá fora. As avalições são feitas apenas em laboratório, o que pode deixar de identificar riscos.

A falta de reavaliações periódicas também favorece entrada de substâncias perigosas, diz o estudo. O governo brasileiro acena com novas medidas que pretendem ao mesmo tempo incentivar produção de agricultura orgânica e reduzir o uso de agrotóxicos. Para atingir esse objetivo, o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), lançado em junho de 2013, promete investir cerca de R$ 6,5 bilhões por ano.

Foto 1: Charles O'Rear / PD-USGOV-USDA
Foto 2: pin add / Flickr: pin add / CC BY 2.0


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